Coluna do Ricardo Kertzman - ISTOÉ- Edição nº 2728 06/05 - de 12 de maio de 2022
Quem diz que ‘envelhecer é bom’, ou está mentindo ou sendo muito mais otimista do que a realidade pretende. Envelhecer, no máximo, é aceitável,
e significa que não morremos – isso sim é bom, ou melhor, ótimo! -, ainda que as ressacas fiquem piores a cada porre.
Eu sei, claro, há coisas muito boas rumo à aurora. E uma delas, indiscutivelmente, é a seletividade das relações. Como vamos nos aproximando do fim –
ao menos quem é esperto -, dedicamos os últimos capítulos a bons momentos em companhia de afetos.
Sim, porque não faz o menor sentido perder tempo com quem – ou o que – não nos acrescenta mais nada, senão maus sentimentos e maus momentos. Particularmente,
tenho seguido à risca tal condição de vida, e o ganho só não é maior porque comecei tarde.
Um exemplo crasso é o afastamento de medíocres e mediocridade. Gente que vive presa a valores e costumes do século passado foi sumariamente eliminada do meu cotidiano.
Quer se comportar como um ogro? Ok, vá em frente; mas em uma galáxia bem distante.
E o bom é que a recíproca é verdadeira. Assim como não os tolero, eles não me toleram. A diferença é que não me preocupo com suas vidas
e opiniões, já eles, o contrário! Não saem das minhas colunas e babam de raiva nas minhas costas e em grupos de WhatsApp.
É uma gente medíocre e binária que não consegue enxergar o mundo fora do ‘sim’ e do ‘não’. É uma espécie incapaz de
viver fora ou descolada das bolhas em que se meteu – e que não consegue mais abandonar -, já que dinamitou o entorno.
Como sentem-se seguros em seus mundinhos, enquanto tudo está bem… está tudo bem! Contudo, se e quando o calo apertar, irão olhar para o lado e não encontrarão
nada além de quantidade sem qualidade, que na hora do aperto não serve para nada.
Sabe o primo gente boníssima, hoje insuportável – bolsonarista fanático -, e grande médico que poderia te ajudar? Ou o cunhado, puta cara legal, mas anti-bolsonaro,
advogado dos bons, que também poderia te ajudar? Pois é. Já eram. Você brigou com eles.
Sabe o vizinho a quem você já pediu ajuda quando sua casa foi inundada, e hoje você não conversa mais? Ou o amigo de infância, caraca!, que viveu ao seu lado
as melhores aventuras, mas atualmente você não quer mais saber porque ele é de esquerda?
Então, serão estes caras que você não tem nem terá mais. Por quê? Bem, porque você prefere e escolheu outra ‘família’, outros
‘amigos’: pessoas ideologicamente semelhantes, sim, mas sem os laços necessários para verdadeiramente estarem ao seu lado.
Quando você ficar doente, em vez do parente ‘comunista’, peça ajuda ao Bolsonaro. Quando precisar de grana, em vez do ex-brother reaça, peça ao Lula.
Quando morrer, lá de cima, ao olhar para baixo, será que os amigos do Zap estarão em seu enterro?
São essas pessoas, mais preocupadas em defender político vagabundo; cerrar fileiras em nome de religião extremista e dogmas ultrapassados; não aceitar diferenças;
não tolerar diferentes; demonizar minorias, etc., que cortei da minha vida e do meu dia a dia.
Ao contrário, independentemente de escolha política, religiosa, de gênero, esportiva ou o escambau – desde que tais escolhas não confrontem valores democráticos,
humanitários e éticos -, com outros reforcei meus laços e compartilho minha intimidade com muito gosto.
O tempo dirá quem acertou e quem errou na opção. Até lá, sei que escolhi o caminho certo. Quem disse? O espelho! A família! Os amigos e o travesseiro.
Como bem diz a canção: ‘é preciso amor pra poder pulsar; é preciso paz pra poder sorrir; é preciso chuva para florir’.