MEDO TODO MUNDO TEM
Carlos
Machado
Dona Maria da Santidade, parteira de mais de cem crianças,
dois dentes na frente e dona de uma alegria esbanjadora, no auge dos seus 94
anos, foi acometida de uma séria doença. Não disseram direito, mas parece que
era câncer. Depois de vários meses de tratamento e diversas internações em
hospitais de Teresina, a idosa não resistiu, morreu numa sexta-feira e foi
enterrada no sábado, pela manhã.
Apesar da idade já avançada, Dona Maria era muito estimada,
não só pelos familiares, mais pelos vizinhos e amigos. Com fama de boa
pagadora, até os vendedores de outras cidades, os conhecidos camelôs- aqueles
que vendem de porta em porta- faziam questão de vender para Dona Maria, tais as
boas informações que recebiam. E assim, no dia do vencimento das parcelas era
mão na roda.
Passados alguns dias da morte de Dona Maria da Santidade
apareceu um cobrador das bandas de Alagoas que tinha vendido uma rede para a
aposentada. Parou a motocicleta em frente à casa, e gritou:- Dona Maria... Dona
Maria! E nada de resposta.
Ao lado da casa da falecida morava a filha Francisca
Santa-nada a ver com santidade da mãe- já que não gostava de quitar seus
débitos com facilidade dando sempre um trabalhinho para o cobrador. Ao ouvir os
gritos do homem lá fora, mostrou a cara na janela e com ar de poucos amigos
disse de forma aborrecida: - o que é? O quê é?
Nesse ínterim aparece na porta da casa o genro de Francisca Santa,
Otovaldo-Valdo como gostava de ser chamado-, que pergunta: - é cobrador? No que
o rapaz disse que sim e que veio receber uma parcela da rede comprada pela
Senhora da casa, que estava com a porta fechada.
E Otovaldo de forma melancólica, disse: - tá difícil de
receber! E o alagoano com ar sisudo, perguntou:- Por quê? E, emendou:- Pelo que
estou sabendo a Dona Maria não deixa de cumprir com suas obrigações. No que,
Otovaldo, respondeu:- dessa vez não vai, não!
Mas, o cobrador desconfiado, novamente, perguntou: por que
não vou receber, Senhor?
-Ela se mudou, disse Otovaldo.
- Mudou pra onde, Senhor?
-Para o Itapirema! Ela está morando lá, agora!
- E onde fica o Itapirema, Senhor? Pode me dar o endereço?
-Posso! O Senhor já viu aquele cemitério na entrada da
cidade?
- Cemitério? E ela morreu? Perguntou, de forma incrédula, o
cobrador.
- Sim! Ela morreu! Respondeu Otovaldo.
O cobrador com ar taciturno, disse:- pois, eu quero levar a
rede!
Ao ouvir a solicitação, dona Maria Santa, saiu da janela e
foi buscar a rede, trazendo-a enrolada.
Ao receber, o cobrador começou a embalar, na garupa da
motocicleta, a peça junto a outros objetos recebidos por falta de pagamento.
Quando Otovaldo na observância da cena, disse: O Senhor
sabia que a véia morreu dentro dessa rede?
- Como? Gritou- assombrado- o cobrador! Morreu dentro dela?
-Sim, dentro dela!
De posse dessa informação, imediatamente, devolveu a rede,
montou na motocicleta e saiu em desabalada carreira, totalmente, desnorteado
com a notícia.