domingo, 2 de julho de 2017

COLUNA DO LÁZARO ALBUQUERQUE: AMIGO É PRA SE GUARDAR

CRÔNICA DO DOMINGO
AMIGO É PRA SE GUARDAR
Lázaro Albuquerque Matos
“Quero falar de uma coisa. Advinhas onde ela anda? Deve estar dentro do peito ou caminhando pelo ar. Amigo é pra se guardar debaixo de sete chaves, no lado esquerdo do peito, dentro do coração, mesmo que a distância e o tempo digam não. Mas quem conhece chorou ao ver seu amigo partir”. Assim diz Milton Nascimento em suas músicas Coração de Estudante e Canção da América. Digo eu, mais: amigo guarda-se também, debaixo de sete palmos, nos dois lados do peito, quando ele se vai.
Quem guarda um amigo debaixo de sete chaves, no lado esquerdo do peito, tem um amigo bom. Guardei um assim! Quem tem um amigo bom, tem um amigo Bony. Tive um assim! Quem tem um amigo Bony, tem um amigo fácil. Dei-me com isso. Quem tem isso, teve um amigo Bonifácio. Tive esse amigo: José Bonifácio Martins, bom de guardar-se no coração e fácil de ser amigo; difícil de esquecer. Ele foi um amigo guardado do lado esquerdo do peito, dentro do meu coração, por muito tempo. É inesquecível, hoje, portanto!
Não se trata aqui de uma elegia de sepulcro ao meu amigo Bonifácio. Ele está bem no lugar que Deus lhe reservou, prematuramente, para a posteridade, quando ele ainda desfrutava a flor da idade de Cristo: seus 33 anos.
Não pretendo ser aqui um poeta triste, melancólico e complacente, recitando um lamento póstumo de funeral do meu amigo Bonifácio. Isso já está muito longe. Um verdadeiro amigo guarda e conserva-se na vida; a amizade guarda e conserva-se depois dela. Assim guardei o amigo Bonifácio em vida, e assim, guardo a amizade dele, com sua morte.
Conheci o Bonifácio, eu morando na mesma rua em que ele morava, em São Luís. Encontrei-o pela primeira vez na mercearia de um irmão meu, também na mesma rua. A mercearia funcionava, nos fins de semana, mais como uma confraria dos amigos e conterrâneos de Duque Bacelar do que como um ponto comercial. Nas tardes de sábado e nas manhãs de domingo, a mercearia virava a confraria dos amigos para uma cervejinha e um bom papo. Jovem, Bonifácio pontuava lá. E de lá saiu nossa amizade.
Quis Bonifácio conhecer Duque Bacelar e me falou isso. Nas eleições de 1982 fui votar em Duque Bacelar e levei-o comigo. Foi aí, então, que ele conheceu a cidade. E gostou muito dela. Foi um apego à primeira vista de Bonifácio com Duque Bacelar. Ele logo passou a ser o companheiro das minhas constantes viagens pra lá. Quase não perdia uma. Depois, o apego de Bonifácio com Duque Bacelar ficou de bom tamanho que ele não esperava mais por mim: passou a ir só, quando eu não ia.
De bom e perfeito relacionamento com os moradores de Duque Bacelar, Bonifácio fez-se, por afinidade e de coração, um bom bacelarense e convicto de o ser. Com dois filhos na cidade, a prova do seu sentimento e espírito de bacelaridade era inconteste, a olhos vistos.
Mas quis o destino impor uma “cruel meningite” no caminho de Bonifácio. Ele teve as suas meninges atingidas pela impiedosa doença na fatal noite de sexta-feira do dia 23 de novembro de 1991. Em poucas horas, Bonifácio quedou-se para a força violenta da meningite que o atingiu. Nada restou aos médicos que o atenderam no hospital, senão o eufemismo afetivo do anúncio à família: “Bonifácio não suportou a bruta infecção. Seus sinais vitais não correspondem mais. Infelizmente, ele faleceu”, afirmou um dos médicos. Resignou-se, então, a família, para os desígnios de Deus.
Minha última conversa com Bonifácio foi às 10 horas da manhã da mesma fatídica sexta-feira. Ele foi ao Banco da Amazônia, onde eu trabalhava, para o acerto de uma viagem que queríamos a Duque Bacelar, no dia seguinte. Marcamos o encontro na Rodoviária de São Luís, às 10 horas do sábado, no ônibus da Timbira, para a viagem que não aconteceu.
Antes, porém, fui acordado, às quatro horas da manhã, do sábado da viagem, por um toque insistente do meu telefone, sem eu querer atender. Atendi por pedido de minha esposa. Era a notícia que eu não queria ouvir. Ela me deu conta de outra viagem do meu amigo Bonifácio: Deus mudou o rumo de sua viagem.
Foi uma viagem fora do caminho de Duque Bacelar que Deus impôs a Bonifácio. Ele viajou com outro destino para nunca mais voltar. Juntou-se à minha dor pela perda do amigo, a perda do meu já compadre Bonifácio!
Em apenas 33 anos de vida, não sobrou vida para bondade de Bonifácio seguir. Ele queria mais vida para continuar sendo BONY. Deus não lhe deu. Uma pena!

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