domingo, 17 de maio de 2020

BRASIL TEVE PENA DE MORTE POR MAIS DE 300 ANOS

Até subir ao patíbulo, no dia 28 de abril de 1876, nem o próprio Francisco acreditava que seria enforcado. Segundo descreveu, na época, o jornal Diário de Alagoas, “o réu condenado à pena de morte portava-se na cadeia com alguma intrepidez; dizia que não morreria enforcado”.

Escravo, dois anos antes Francisco havia assassinado o capitão João Evangelista de Lima e sua mulher, Josefina. Ao cometer o crime, fora auxiliado por dois escravos do morto, Prudêncio e Vicente. O primeiro morreu quando foi preso. O segundo, ao que parece, foi condenado à forca, mas acabou indo para a prisão perpétua.

O confiante Francisco não teve a mesma sorte. Escoltado por 32 soldados, percorreu as principais ruas da cidade de Pilar de Alagoas até chegar à forca. Lá, exatamente às 13 horas, cumpriu sua pena.

Aquela foi a última vez em que uma sentença de morte foi cumprida no Brasil. A pena capital já vinha sendo pouco usada no país desde meados de 1850 e, depois da sentença de Francisco, ela desapareceu. Embora tenha continuado a existir na legislação até o começo da República, Pedro II garantiu que ela não fosse mais aplicada. Era o fim de mais de três séculos de enforcamentos, fuzilamentos e degolas, que começaram quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal e estava sujeito às normas daquele país.

Embora as leis da colônia sejam conhecidas, não há muita documentação sobre o modo como a pena de morte era aplicada naquela época, nem números precisos sobre a quantidade de pessoas executadas. O que ficou, na maioria das vezes, foram relatos de casos famosos, como os ligados a lutas contra a Coroa Portuguesa. “Já no Império, além da documentação estar mais completa, havia os jornais dando as notícias de execuções, uma fonte imprescindível”, diz o historiador João Luiz Ribeiro, especialista no assunto.

Segundo ele, entre 1833 e 1876, só em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, ao menos 230 pessoas receberam a pena de morte – há dúvida sobre outras 180 que podem ter sido mortas da mesma forma. Nessas três províncias, 643 condenados à morte viram sua pena se transformar em prisão perpétua – a partir de 1876, isso se tornaria regra. As penas de morte no Império costumavam ser transformadas em “galés perpétuas” (trabalhos forçados até a morte).

Crueldade colonial

A pena capital chegou ao Brasil pouco depois de Cabral. Naquela época não existiam julgamentos: as execuções, geralmente, eram sumárias. Em 1530, ano da chegada da primeira expedição de ocupação vinda de Portugal, liderada por Martim Afonso de Souza, começaram os assassinatos feitos em nome do Estado. Um dos primeiros ocorreu por causa do fidalgo português Pero Lopes Souza.

Irmão de Martim Afonso, ele estava alojado numa fortaleza em Pernambuco que foi atingida por duas flechas. Ele não se feriu, mas, desconfiado dos franceses que habitavam a região, mandou que todos eles fossem presos e enforcados. A execução coletiva só parou quando dois dos estrangeiros assumiram a culpa.

No início do século 16, quem recebia sentenças de morte eram principalmente índios, piratas, traficantes, hereges e invasores franceses – naquela época, a maioria da população podia ser encaixada em (pelo menos) uma dessas categorias. Ainda no ano de sua fundação, em 1549, Salvador foi palco de uma execução exemplar, ordenada pelo seu governador e fundador, Tomé de Souza.

Ter o pescoço cortado era o principal método usado para executar nobres e membros da elite. Morrer na forca era algo vergonhoso, destinado à ralé. Mas a violência das leis nem sempre era aplicada na prática. Os condenados podiam apelar ao rei – que, com seu “direito de graça”, muitas vezes os perdoava. “Essa estratégia mantinha toda a força da autoridade, mas, ao mesmo tempo, permitia ao soberano ser magnânimo”, diz Arno Wehling, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

De 1876 até a Proclamação da República, o imperador impediu todas as execuções, fazendo do Brasil um dos primeiros países a abolir a pena capital, ainda que não oficialmente. O fim formal veio com a primeira Constituição republicana, de 1891.

A partir daí, as forcas, guilhotinas, fogueiras, cadeiras elétricas, injeções letais, fuzilamentos e outras formas de execução não teriam mais vez no Brasil. Ao menos amparadas por lei. Por aqui, a pena de morte está prevista no Código Penal Militar e na Constituição, em caso de guerra.

Fonte: Aventuras na História

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