Mesmo para a corte parasita e cheia de corruptos
que dom João trouxe a tiracolo, o Brasil não parecia digno de se tornar a sede
da monarquia portuguesa. Era preciso mudar o estado das coisas, e rápido.
Afinal, o príncipe regente tinha chegado para ficar,
não tinha a menor ideia de quando poderia voltar à Europa. Suas prioridades ao
pisar na colônia só poderiam ser as óbvias: criar condições de vida para a
corte e mecanismos que permitissem governar todo o império a partir de sua nova
capital, o Rio de Janeiro.
Logo de cara, uma semana depois de desembarcar em
Salvador, dom João abriu os portos brasileiros às nações amigas. Era
o fim do Pacto Colonial – o Brasil estava liberado para manter comércio com
outros países, sem a interferência portuguesa.
Em março de 1808, já instalado no Rio de Janeiro, o
príncipe regente liberaria também a criação de fábricas, proibida desde 1785.
Quatro anos mais tarde, uma pequena siderúrgica já estava funcionando na
colônia.
Em 1820, outra seria inaugurada. “Era um embrião de
indústria, que enfrentava a competição de produtos baratos que vinham da
Inglaterra. Mas foi o primeiro passo”, diz Renato Marcondes, historiador.
Dom João também deu um jeito na Justiça
brasileira. Depois de 300 anos com um sistema judiciário bastante limitado, foi
instalada na colônia a Casa de Suplicação – uma espécie de Supremo Tribunal do
império, instância mais alta da Justiça portuguesa. Dali em diante, qualquer
disputa judicial, por mais poderosos que fossem os envolvidos, poderia ser
resolvida na própria colônia.
Outra invenção importante do príncipe regente foi o
Banco do Brasil. Essa, porém, não deu tão certo quanto as outras, pelo menos em
seus primeiros anos de vida. Embora tenha lançado por aqui as fundações de um
sistema financeiro, o banco era fraco e ninguém acreditava muito nele.
Funcionava apenas como gerenciador de depósitos e,
principalmente, como casa da moeda. O dinheiro emitido não tinha lastro.
Prestava-se, sobretudo, a financiar os gastos do governo e da corte.
A instituição era tão desacreditada, que tudo custava
mais caro se o pagamento fosse em dinheiro. Quando dom João voltou
para Portugal, em 1821, levando toda a grana dos cofres, o Banco do Brasil
simplesmente quebrou.
Se dom João não tivesse fugido para cá, o
Brasil poderia ter se desintegrado, como aconteceu com a América espanhola.
Hoje, talvez não fosse um, mas vários países. Quando pisou em território
brasileiro, o príncipe regente encontrou um amontoado de capitanias isoladas
umas das outras. Isso não interessava à coroa portuguesa.
“A família real dependia, para sobreviver, da
manutenção do território brasileiro unificado, já que tinha perdido Portugal
para Napoleão”, diz a historiadora Luciana Lopes.
Para garantir o controle sobre as capitanias, dom João
saiu construindo estradas a torto e a direito. Resultado: o comércio entre
regiões distantes aumentou e os laços entre as populações começaram a se
estreitar.
Ainda que nada tivesse feito pela economia brasileira,
a simples presença da corte no Rio de Janeiro já promovia o desenvolvimento de
toda a colônia. O aumento da demanda por todo tipo de insumo, provocada pelos
15 mil portugueses que subitamente se instalaram na cidade, fazia o comércio
girar como nunca.
“A necessidade de alimentos levou a um crescimento
muito grande na produção em várias regiões”, diz Marcondes. “No ano de
1806, o Vale do Paraíba, em São Paulo, enviou 7,7 mil cabeças de gado para o
abate no Rio de Janeiro. Em 1810, esse número havia saltado para 13,5 mil
cabeças.”
A abertura de estradas, que também era proibida até a
chegada da corte, agora estava autorizada. Aquelas que já existiam foram
melhoradas. Mas eram poucas. A nova sede do império precisava de mais. Elas
foram abertas principalmente nas regiões que hoje correspondem a Minas Gerais,
São Paulo e Rio de Janeiro.
E isso tem tudo a ver com o fato de, hoje, a região
Sudeste ser a mais desenvolvida do país. “Antes, abrir estradas era proibido
porque a Coroa temia o contrabando de ouro e diamantes”, explica a
professora Luciana Lopes.
O desafio de abastecer a capital do império fez
florescer o comércio de cabotagem, que estimulou o desenvolvimento de várias
cidades costeiras. Produtos de lugares distantes – como charque do Rio Grande
do Sul e madeira da Bahia – chegavam ao Rio de Janeiro pelo mar.
“A vinda da família real não foi exatamente o início
do desenvolvimento econômico, pois já havia alguma atividade na colônia”,
diz Luciana. “Mas funcionou como um grande catalisador, acelerando as
transformações.” Esse desenvolvimento acelerado da colônia acabaria se
revelando um tiro no pé de dom João. Em pouco tempo, o Brasil começaria a
sentir-se totalmente preparado para se aventurar numa “carreira solo”.
Contudo, é necessário ressaltar a questão do tráfico
de escravos. De 1808 a 1821, algo entre 440 mil e 500 mil escravos foram
trazidos da África ocidental para cá – número maior que o de qualquer outro
período da escravidão. Enquanto isso, a maioria dos países europeus 'proibia' o
tráfico, incluindo a Inglaterra, grande aliada de Portugal.
Embora dissesse o contrário aos britânicos, dom João
nunca pensou em abolir a escravidão. Nem poderia. Afinal, toda a economia da
colônia estava baseada no trabalho escravo. Acabar com ele provavelmente
significaria decretar a falência do Brasil. Mas havia interesses particulares
da corte envolvidos na história.
E foi diante do desumano estado dos escravizados que a
elite brasileira enriquecia e comprava títulos de nobreza. A venda de títulos
garantia uma boa renda a dom João. E ainda agradava à elite, cujo apoio era fundamental
para o príncipe regente.
Fonte: AH
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