Cidades
menos desenvolvidas receberam proporcionalmente mais emendas Pix,
consideradas de baixa transparência, do que cidades mais desenvolvidas, aponta
levantamento feito pela Folha com os valores distribuídos por
deputados e senadores a cada município em 2023 e 2024.
Esse
tipo de emenda, que vai diretamente a prefeituras, sem
necessidade de vinculação a projetos específicos, representa
quase metade (47%) dos recursos transferidos a cidades com IDHM (Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal) “baixo” ou “muito baixo”. Já no caso dos
municípios com índice “alto” ou “muito alto”, essa proporção é de 32%.
Em
números absolutos, isso significa que não é possível saber, pelo portal da
transparência federal, onde foram usados R$ 3,9 bilhões dos R$ 8,3 bilhões
doados pelos parlamentares às cidades mais pobres nesse período nem R$ 4,6
bilhões dos R$ 14,6 bilhões entregues às cidades mais ricas.
A
influência das emendas Pix se ampliou especialmente no último ano, com as
eleições municipais. Mas, se por um lado essa verba chega de forma
mais ágil, por outro pode potencializar o favorecimento de aliados políticos e
abrir brecha para desvios de dinheiro.
O
Ministério Público Federal, por exemplo, já
abriu procedimentos para monitorar recursos desse tipo enviados
para ao menos 400 municípios e três governos estaduais.
O
levantamento aponta que 111 dos 5.565 municípios do país receberam 100% de suas
emendas individuais na modalidade Pix, sem vinculação prévia a projetos, ao
longo dos últimos dois anos. Desses, 41 têm um índice de desenvolvimento
“baixo” (não há cidades de IDHM “muito baixo” nessa situação).
Os
três deles que mais se beneficiaram foram Afonso Cunha e Peritoró, no interior
do Maranhão, e Choró, no sertão do Ceará. O primeiro tem pouco mais de 6.000
habitantes e empenhou R$ 14,8 milhões, o que representa R$ 2.400 por pessoa,
valor cinco vezes superior à média do país (R$ 438 por habitante).
“O
cálculo não é pela população, e sim pelas melhorias ao município”, diz o
ex-prefeito Arquimedes Bacelar (PDT), cuja família fundou a cidade. “Se eu
recebo uma emenda pela Caixa Econômica, vou enfrentar uma fila para análise e
vou passar dois anos para aprovar um projeto”, argumenta ele, que elegeu seu
aliado Pedro Medeiros (PL).
O
ex-prefeito critica o que chama de politização do tema das emendas e afirma que
as transferências especiais ajudam muito os municípios pequenos: “Poucas verbas
e programas federais englobam cidades com menos de 20 mil habitantes. Se não
formos até Brasília atrás de recurso”.
Em
2022, a revista Piauí publicou
que sua gestão inflou o número de consultas e exames realizados pelo SUS em
2020 para poder receber mais verbas no ano seguinte, o que fez a Justiça
bloquear os repasses. Bacelar diz que foi um erro de sistema, que uma auditoria
constatou não ter havido desvio e que é um dos defensores da maior
fiscalização.
A
professora da FGV Graziella Testa, especialista em estudos legislativos, opina
que a forma como os órgãos de controle se estruturara no Brasil teve um impacto
negativo na realização de políticas públicas, com gestores engessados e
temerosos em gastar —uma tese conhecida como “apagão das canetas”.
“Uma
parte da explicação [para a alta porcentagem de emendas Pix] pode ser esses
gestores encontrando uma forma de conseguir aplicar verbas em áreas onde antes
não conseguiam. É preciso fazer um estudo mais próximo para separar o joio do
trigo: ver o que o gestor aplicou e o que é desvio de recurso”, diz.
Fonte: Gilberto
Léda