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domingo, 18 de junho de 2017

COLUNA DO LÁZARO ALBUQUERQUE : CRÔNICA DO DOMINGO


O MAGAREFE CHICO LÚCIO E CARNE DOS HOMENS
Lázaro Albuquerque Matos

Ali havia uma vila. Da Vargem Rendonda pra lá, um pulo só. Entre o açude e a ladeira do Olho D’Água: a vila. Nome a vila não tinha. Um pequeno e alegre arraial familiar, de casas de palha e taipa, formava a vila. Uma norma familiar limitava o assentamento de moradores na vila. Uma condição foi imposta pra isso: só parentes da família de Chico Lúcio podiam levantar casa no arraial da vila. Chico Lúcio capitaneava a vila como o chefe da família. Ele trabalhava com José Ribamar Oliveira; na folga, vendia carne, como magarefe que era. 
Por falta de um topônimo para vila, fica aqui este para o lugar, dado por mim: Vila Chico Lúcio. Além de Chico Lúcio, dois irmãos e uma irmã dele moravam na vila: Regino, Areolino e Nazária. A comunidade da Vila Chico Lúcio era tão familiar, que primo casava com prima. De casas já levantadas na vila, para a vida de casados, dois sobrinhos de Chico Lúcio casaram com filhas dele: Manoel Pedro e João Nazária. 
Regino, irmão de Chico Lúcio, era sanfoneiro e, por conseguinte, não deixava tristeza posar na vila; alegria, sim. Nas tardinhas-noite de domingo, com sua sanfoninha velha no peito, Regino animava um gostoso forrozinho pé-de-serra na casa dele. Na época, eu me dava muito com os filhos de Chico Lúcio: Raimunda, Francisca, Regina, Neguinho e Luzimar, o que me cativava como frequentador da vila. Uma queda-de-asas minha por Regina fazia dela meu par fixo para dançar no arrasta-pé do seu tio. E tome gosto por isso! 
Com a instalação da empresa NORPASA, uma fazenda de gado, em Duque Bacelar, a Vila Chico Lúcio foi sufocada pela cerca, no meio do pasto para o gado, o que obrigou os morados da vila se transferirem para a Vargem Redonda, uma pequena rua esburacada, antes de ser a bonita avenida que é hoje.
A NORPASA era do Sr. José Ribamar Oliveira. Chico Lúcio, como magarefe, vendia carne para o dono da NORPASA. Dissociar Chico Lúcio do Sr. José Ribamar Oliveira, por meio de um texto literário, que se quer repositor da história de vida do magarefe, é impossível, pela ligação dos dois.
Das filhas de Chico Lúcio, duas tinham quarto na casa do Sr. Ribamar Oliveira: Raimunda e Francisca. Elas moravam na casa. Chico Lúcio transitava, livremente, o dia todo e doto dia, pontualmente, pela casa do patrão. Ele cuidava dos serviços caseiros da residência, orientando o jardineiro Epaminondas no trato do jardim. E aos domingos, Chico Lúcio era o magarefe. Carne de boi, na época, em Duque Bacelar, só domingo; raramente, em algum sábado. Chico Lúcio era magarefe único da cidade. Em nome disso, deitava e rolava sobre a carne que vendia.
Comprar um quilo de carne no açougue de Chico Lúcio, no antigo mercadinho de Duque Bacelar, não era coisa fácil. Uma fila se formava por meio de pedras. Cada um de olho na sua, mas isso dava muita discussão: uns querendo passar a pedra na frente da dos outros. Meu pai não ia ao mercado comprar a carninha do domingo por causa disso. A missão de fazer isso era minha. Mas, às vezes, eu voltava sem o quilinho da carne do domingo. 
Com o rolar das pedras enfiladas, chegava minha vez de gritar para o magarefe: 
– Ei, seu Chico: um quilo de popa pra mim! 
– Não dá! 
– De chandanca ou lombo, então, seu Chico! 
– Não dá! Essa carne é dos “HOMENS”, respondia o magarefe. 
– De forro da pá ou de costela mindinha dá, seu Chico? 
– Acalma-te, menino! Deixa-me tirar primeiro a carne dos homens!
Depois da carne dos “HOMENS”, às vezes, dava um quilo pra mim. Mas, quando meu amigo Luzimar estava ajudando o pai dele na venda de carne, eu não precisava gritar e nem rolar pedra para ter acesso a um quilo, desde que não fosses da carne dos homens: um quilinho de peito me era garantido para o cozido daquele domingo. O Luzimar pesava e trazia pra mim, enfiado em uma embira de palmito. O dinheiro já ia trocado no valor certo para o pagamento.
O magarefe Chico Lúcio entendia patavina de matemática. Mas fazia a exata proporção de razão e grandeza para o cálculo certo da carne que vendia: 
Sem a carne dos “HOMENS”, carne de boi não chegava ao açougue do magarefe Chico Lúcio.

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