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domingo, 6 de agosto de 2017

CRÔNICA DO LÁZARO ALBUQUERQUE:COM VOCÊS, A COBRA ENGOLINDO A JUMENTA!

CRÔNICA DO DOMINGO
COM VOCÊS, A COBRA ENGOLINDO A JUMENTA!
Lázaro Albuquerque Matos
O folclore bacelarense é uma fonte cultural bacelarense. Só à cultura ele pertence. Nada de valor histórico. Folclore e cultura andam de parelha sobre fatos engraçados e pitorescos de um povo. Daí o folclore cultural. Minha crônica de hoje tem o condão de trilhar a história folclórica e cultural de Duque Bacelar.
Quando o Município de Duque Bacelar foi instalado, em 1º em janeiro de 1954, coube a José Maria da Silva – Zé Maria Cabeção – o cargo de delegado do município. Era o famoso delegado calça-curta. Outros três delegados regionais (subdelegados) foram nomeados para o município: Argemiro Furado de Brito – Mirócoles – para a região do Tamboril, Mocambos, Tabuleiro e adjacências; Constantino Martins de Aguiar para a região do Poço de Pedras, Jaboti, Ferro, Curralinho da Leonarda, São José e adjacências. José de Freitas Farias – Zezinho de Freitas – foi indicado para a região da Roça do Meio, Canadá, Órfãos e adjacências.
No entanto, só o delegado Zé Maria Cabeção era pago; os outros eram voluntários. Como auxiliar na segurança da cidade, o delegado Zé Maria tinha os guardas-municipais: Luís Varanda, Monteiro, João Madalena e o Ford. Policial militar não existia em Duque Bacelar. O primeiro a chegar ao município foi o soldado bacelarense José Edmar Soares Viana: “Edmar Soares – 11/66 –, às suas ordens”, definia-se.
Os delegados do interior não dispunham de guardas-municipais. Quando eles necessitavam de homens para uma missão, convocavam moradores do lugar. Zezinho de Freitas era o subdelegado mais atuante, e o que mais tinha homens à sua disposição. E valentes! Os casos em que Zezinho de Freitas atuava eram quase todos de interesse dele: ele era a vítima, ou se fazia dela. Ele atuava em causa própria.

Um dia de um determinado ano, para desgosto do delegado Cabeção, chega a Duque Bacelar um irmão dele. Um sujeito daqueles! Quis até ser padre, por falta de um na paróquia do padroeiro de Duque Bacelar: São José.
O padre, antigamente, só comparecia ao festejo de São José no último dia, para a missa de encerramento. Às vezes, nem isso acontecia. Os batizados e os casamentos, agendados com antecedência, davam motivos de preocupação para os fiéis devotos de São José. A família Marques, muito religiosa, era a que mais se preocupava com isso. E foi aí que o irmão do delegado entrou na história de querer ser padre. Ele ouviu o Chiquim Marques perguntar ao Rosy Oliveira:
– Rosy, cadê o padre? Ele vem ou não vem para o festejo?
– Eu sei lá de padre, Chiquim. Vai perguntar pra tia Orsina!
Sabendo da incerteza da presença do padre no festejo, o irmão de Zé Maria Cabeção não se fez de rogado. Dizendo-se sacerdote, prontificou-se para praticar todos os rituais religiosos próprios de um padre, durante o período do festejo daquele ano. Dona Orsina Oliveira, organizadora do festejo, cética que só, não aceitou. Ela não viu viés sacerdotal no sujeito.
Mas não tardou para o Chico Cabeção – assim ficou conhecido o irmão do delegado – aprontar uma boa em Duque Bacelar. Fazendo-se de artista de circo, ele vai a uma loja de tecido da cidade e compra fiado umas duas ou três peças de cretone azul, enfestado – duas larguras – e monta um circo na porta da casa do irmão. A rua dava pra isso: era bem larga. Ali por perto do Antônio Vieira.
Chico Cabeção, como bom artista, anunciava o circo como apresentação e atração únicas na cidade. Era a forma de atrair muitas pessoas para sua farsa circense: “Hoje a cobra vai engolir a jumenta. Não percam! É só isso no circo, e só uma vez nesta cidade. É hoje”.
O último chamado para o espetáculo, às cinco horas da tarde, alertava as pessoas, repetindo o bordão de espetáculo único e atração única na cidade, às sete da noite: “É hoje, somente hoje, às sete horas. É só isso que o circo vai apresentar. É só hoje: a cobra engolindo a jumenta. O impossível acontece. Vejam isso”!
Por volta das se sete horas, enquanto o sanfoneiro Damásio tocava sanfona na porta do circo para distrair a plateia, ansiosa por o inédito em Duque Bacelar, o Chico Cabeção cobrava a entrada dos presentes, avisando: “Como não há assento no circo, todo mundo vai entrar de uma só vez. E na hora certa de começar o espetáculo”.
Com o dinheiro arrecado no bolso, o esperto artista disse para o público: “Vou buscar a jumenta e a cobra, que estão no quintal. Quando eu acender a lâmpada, todo mundo dentro. E a jegue vai passar lisinha pela garganta da sucuri, bonitinho, bonitinho. Todo mundo vai ver. Aguardem!
E nada de Lâmpada acesa. Impaciente o público invade o circo. A essa altura, se mal andou, o artista malandro já havia atravessado o Rio Paranaíba, rumo a Miguel Alves, deixando os manés a espera do: “Com vocês, a cobra engolindo a jumenta”.
A arte do irmão só deu para o delegado. Todo mundo querendo o dinheiro de volta, alegando que Zé Maria sabia de tudo. Como ele era o delegado, ninguém deu parte. Pra quem? E o fato deixou de ser um caso de polícia. Que causo!

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