O
EFEITO CANNABIS SATIVA
Carlos Machado
Raimundo Filomena, carinhosamente
chamado de Mundin, nunca foi afeito a exageros. Desde a adolescência manteve-se
avesso a arroubos. Trabalhador, honesto e pau para toda obra, não se esforçou
para estudar, até porque naqueles tempos era artigo de luxo, somente famílias
ricas podiam botar os filhos na escola. A família dele foi pobre de gritar de
noite, mas sem passar dificuldades nas necessidades essenciais. De forma que o
protagonista só aprendeu a ler, a escrever e a tirar umas contas, o que era
suficiente para ser bem visto, segundo Ele.
Crescido, virou falante. Gostava
de se intrometer nas rodas de conversa e dar pitacos nos mais variados assuntos,
alegava ser um sujeito informado, ouvinte da Voz do Brasil. E assim, tomou
gosto pela política. Ouvia, atentamente, os discursos e não perdia um comício
em ano eleitoral. Ia para todos, não importando de quem era: se situação ou
oposição.
Numa dessas, numa da tarde de
sábado, de sol escaldante, se socou na carroceria de um caminhão e partiu para
uma reunião política na zona rural. Caminhão lotado, estrada ruim, buraqueira e
o gingado dos corpos, o agarra-agarra para não cair. Quem conseguia se sentar ficava
com o “fundo” sujo, quem não tinha a mesma sorte chegava de corpo mole, todo
quebrado. Mas, para o protagonista isso não importava e sim o discurso dos homens.
Chegou em Monte Agudo, já quase
escurecendo. Logo, tratou de arrumar uma cacimba, pois precisava de um banho. Meteu
os braços a puxar água, encheu uma tina de pneu que ficava no banheiro de palha
de pindoba, por trás de uma das casas da localidade. Corpo refrescado, se arrumou
escondido numa “bolota” de mato, em cima de um pedaço de tábua, para não sujar
os pés. Brilhantina no cabelo, desodorante 1010 no pescoço e lá se vai, todo
serelepe, ouvir a conversa dos políticos.
Não era devoto de cachaça e nem
de fumo. Mas, vez por outra, tomava um gole e dava uma tragada num cigarro “arapiraca”
ou num gaivota, que estava na moda. Lá pela metade da hora de terminar o
comício, Zé Praxedes, companheiro de viagem, ofereceu uma cachaça “braba”,
dizendo ser coisa bem-feita e que podia beber, pois não queimava e nem deixava
catinga. E Mundin emborcou um quarteirão. Ficou zonzo, sentindo o corpo pegar fogo.
Mas, atento aos cabras no palanque que estavam metendo a peia nos adversários e
prometendo até anum preto.
Já no fim da reunião, quando o
último orador se preparava para a despedida, mais uma dose de cachaça, no bucho
do nosso ouvinte, e um cigarro que foi oferecido e fumado, pacientemente. As
palmas comiam frouxas e o já “queimado” Raimundo Filomena estava mais eufórico
que de costume.
Pois, bem! Terminada a
confraternização política, como diziam os discursantes, ora do retorno. Algazarra
e corre-corre sempre acontece nesses eventos quando é anunciada a saída do
transporte. E a comitiva apressada procura lugar para melhor acomodação.
Mundin, depois de tanto rir sem
motivo aparente, se embrenhou em direção oposta aos companheiros de viagem e
meio desequilibrado, perna dentro, perna fora, terminou por perder o rumo de
onde estava o caminhão. Seguindo na escuridão, de meter dedo no olho, já ia
adentrando numa mata de cocal quando o farol do carro deu nele, no que foi
visto por Praxedes, que o gritou: -
Mundin, tá ficando doído? Tá indo assim pra onde? Não vê que já estamos
de saída? E desceu do caminhão para buscar o amigo que parecia ensandecido
entrando na mata.
Sem força nas pernas teve que ser
trazido a tira colo, pois o homem não se segurava mais em pé. A todo custo foi
rebolado na carroceria do caminhão, onde encostado na grade balbuciava palavras
desconexas. Nunca se tinha visto Raimundo Filomena, um homem culto, falante,
reconhecido nas rodas da sociedade, numa situação vexatória como aquela. Todos
os que o conheciam queriam entender o que tinha havido. Foi a cachaça? Foi o
cigarro gaivota? que tipo de emoção deixara nosso protagonista naquele estado
tão deplorável?
Depois de muitos sacolejos, por
causa da estrada vicinal esburacada, e de algumas tossidas, Ele acordou. Ainda
zonzo, respirou fundo, deu uma calibrada na garganta para disfarçar e fingir
que estava bem. Endireitou as pernas, que estavam imprensadas, e tocou em algo
resistente. Passou a mão e percebeu que era um paneiro. Forçou no canto, abriu
uma pequena brecha, meteu os dedos e trouxe o produto: farinha de puba. Com a
fome “braba” que revirava o estomago começou a jogar “muxeadas” na boca,
disfarçadamente. Quase dois quilos de
farinha e a sede apertou. - Água, água, água, pediu. Mas, ninguém tinha o
líquido precioso! Com a garganta seca, entalado e o “bucho” inchando, resolveu
apelar para Deus! E, depois das lamúrias e apelos ao divino, resolveu
interpelar o amigo Praxedes:
- Oh! Praxedes, me diga, que
cachaça maldita foi aquela que me ofertou, homem? Quase que via a morte!
O amigo coçou a cabeça, passou a
mão na barbicha e numa voz gutural, quase inaudível, respondeu:
-Acho que isso aí não foi a
cachaça, foi o cigarro de maconha!
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