A história do assassinato de Gabriel remonta à época
em que o médico se elegeu vereador pelo Partido Democrata Cristão (PDC), em
1951, e tinha como cabo eleitoral o feirante José Guerreiro, dono de uma
barraca de limões. Sabidamente mulherengo, o vereador traiu seu apoio iniciando
um caso com a mulher dele, Francisca Flores, vulgo Nena. O triângulo ainda não
havia sido desfeito quando Nena engravidou de gêmeos. Num tempo em que o exame
de DNA estava longe de ser criado, as duas crianças, batizadas de Jaime e José
Carlos, foram motivo de acirrada disputa entre o feirante e o ex-vereador – que
agora cumpria mandato como deputa do estadual pelo PTN. De temperamento
notoriamente irascível, dado a escândalos, Gabriel Quadros chegou a sair no
braço com José Guerreiro em plena Praça da Sé, para decidir quem era o pai dos
meninos.
A princípio, Nena afirmava que os filhos eram de
Gabriel e, por conta disso, o deputado chegou a acomodá-la por alguns dias em
seu gabinete na Assembleia Legislativa. Em seguida, ele a transferiu para sua
própria residência, na avenida Rebouças. Ocorre que, apesar de manter com o
deputado apenas um casamento de aparências, sua mulher oficial, Leonor, que
agora morava com Jânio, não queria a amante do marido vivendo em uma casa que,
afinal de contas, era sua também. Então, o deputado levou Nena para um sobrado
que possuía na avenida Lins de Vasconcelos, na Vila Mariana, zona sul de São
Paulo. O irônico é que, mais tarde, quando os meninos já estavam
suficientemente crescidos, ficou óbvio pelo método utilizado na época, o
“olhômetro”, que eles eram filhos de Guerreiro; além de tudo, não havia caso de
gêmeos na família Quadros. Mas agora que tinha começado a briga, o deputado,
até por uma questão de honra, levou a defesa da paternidade até o fim.
José Guerreiro também não arredou o pé. Logo foi fazer
uma visita a Nena, na Lins de Vasconcelos. Disposto a reaver os filhos, ele
passou por cima da vontade da mãe deles e os levou dali para o cômodo onde
morava, nos fundos de um sobrado na Mooca, zona leste de São Paulo. Ao saber do
“sequestro”, Gabriel Quadros juntou cinco capangas, carregou sua arma e rumou
para a Travessa Nelson Atallah, 9, onde ficava o sobrado. Foi disposto a
“resgatar” Jaime e José Carlos. Era por volta de 8 horas de um sábado, dia 18
de maio de 1957, quando o deputado e três de seus homens arrombaram a porta do
cômodo e avançaram na direção dos garotos. Ainda so nado, o feirante recebeu
diversas pancadas, inclusive de cassetete, mas lutou contra os agressores como
pode, usando um pedaço de caibro que encontrou perto da cama. Mesmo estando em
minoria, conseguiu imobilizar o rechonchudo rival e arrancar dele a arma. No
meio da confusão, desatinado, José Guerreiro disparou seis vezes contra Gabriel
Quadros, que caiu morto. Não satisfeito, o feirante virou a arma na direção dos
capangas do deputado, que, apavorados, correram em disparada. Na fuga, levaram
os gêmeos. Como estava apenas de ceroulas, Guerreiro, que tinha então 30 anos,
voltou para o cômodo, vestiu-se e sumiu dali.
Em pouco tempo, a pacata travessa e as ruas adjacentes
foram tomadas por uma multidão de curiosos. Para se aproximar da investigação,
e saber em primeira mão detalhes do que tinha ocorrido, os vizinhos se
dispunham a prestar testemunhos voluntariamente. A polícia isolou a área,
barrando o acesso inclusive de jornalistas, para efetuar o exame pericial. O
corpo de Gabriel Quadros foi levado para o necrotério do Hospital Santa
Catarina, onde o submeteram à autópsia. O laudo assinado pelos médicos legistas
César Berenguer e Mattosinho França apontou como causa mortis “hemorragia
interna traumática”. A Secretaria de Segurança Pública determinou que a Polícia
Rodoviária vigiasse as saídas de São Paulo, a fim de impedir que o carro de
placas 2-99-66, usado pelos capangas de Gabriel Quadros para fugir com as
crianças, deixasse a cidade. Enquanto isso, vizinhos de Nena na avenida Lins de
Vasconcelos afirmaram tê-la visto saindo às pressas de casa, por volta das 9
horas do sábado – portanto depois de o crime ter sido consumado. Ela ainda
estava de penhoar quando embarcou em um carro que a aguardava. Tamanha era sua
pressa que, ao entrar no veículo, deixou para trás um dos sapatos. Soube-se
depois que o carro no qual embarcara era o mesmo que os homens de Gabriel Quadros
utilizaram para fugir com Jaime e José Carlos.
Assim que tomou conhecimento do crime, o governador
Jânio Quadros encaminhou um despacho para a Secretaria de Segurança
determinando a abertura imediata de uma investigação rigorosa. “O homicídio de
que foi vítima o deputado Gabriel Quadros deve ser objeto de rápido inquérito,
para apuração de responsabilidades. O autor (ou autores) não sofrerá qualquer
coação ou violência, assegurando vossa excelência o governador, de forma
absoluta, garantias e direitos da lei.” O enterro ocorreu na tarde do próprio
sábado, com a presença do governador, que, segundo seus assessores, foi ao
cemitério do Araçá apesar de estar com a saúde “debilitada” (uma gripe, segundo
contou a J.P uma fonte próxima a Jânio na época). O presidente Juscelino
Kubitschek não compareceu. Foi representado pelo presidente da Câmara dos
Deputados Ulysses Guimarães. Conhecendo o pai de sobra, Jânio declarou à
imprensa durante o féretro que José Guerreiro agira em legítima defesa da
honra. Embora seja comum se afirmar que foi o governador que absolveu o
criminoso, Jânio apenas o perdoou – ele não tinha essa prerrogativa. O feirante
foi indiciado, ficou preso preventivamente durante alguns dias, respondeu a
processo e ganhou a liberdade sem ir a júri, em 1959. Para neutralizar o efeito
do escândalo, o governador chegou a declarar sua carreira política encerrada –
mas, ao contrário disso, em dezembro daquele mesmo ano registrou sua
candidatura a deputado federal pelo PTB do Paraná, e, depois de eleito, passou
a acumular os dois cargos. Os gêmeos reapareceram com a mãe, por quem foram
criados. Nena se desquitou do feirante.
Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de junho
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