CHICO BENEVIDES, O PREFEITO ELEGANTE
Lázaro Albuquerque Matos
Lázaro Albuquerque Matos
Não sou Tiririca e nem Duque Bacelar
é a Florentina, mas a impressão que deixo é que somos quase isso. Duque Bacelar
de Jesus: amo-a e ela me seduz. Hoje eu disse: não vou escrever nada sobre
minha cidade. Já chega. Duque de Jesus: estou nela e ela me conduz. Florentinamente,
Duque Bacelar conduz-me, hoje, a Francisco Benevides de Carvalho.
Francisco Benevides de Carvalho era o popular Chico Benevides, da alegria de
Duque Bacelar. Ele era gerente comercial dos negócios do Sr. Orsini Lisboa. Era
morador da vila Garapa de Fora, ao lado da casa do patrão, onde hoje é uma
usina de pilar arroz. Bom de coração, compadres e afilhados não lhe faltavam
para o selo de amizade. Benevides era amigo de todos. A amizade dele com meu
pai foi selada na pia batismal da Igreja de São José. Ele era padrinho de um
irmão meu.
Cheio de bom humor, Benevides não perdoava um deslize sequer dos amigos e dos
compadres para uma boa gozação. Ele fazia uma boa gozação de tudo. Da língua
ferina dele não escapava ninguém. Todos eram tesourados por ele. Nas rodas de
conversa com os amigos, ninguém queria sair primeiro, deixando o Benevides com
os outros. Era tesourada certa, mesmo que fosse um dos mais íntimos compadres e
amigos. Quando queria dar uma tesourada em alguém, Benevides chamava-o pelo
nome, com uma exclamação interrogativa, testando a presença da pessoa por
perto: “Compadre José Chagas!?... Compadre João Vilar!?... Compadre
Brito!?...Ei, Ditador, como vai tu”!?
Benevides deixa o comércio do Sr. Orsini e abre o próprio, onde hoje é casa do
Carlos Romão. Na loja do Sr. Orsini, Benevides deixa um amigo muito próximo,
chamado Gonzaga, mas conhecido como Gonzalez. Na época, leite ninho era raro e
caro em Duque Bacelar. O esperto comerciante Benevides só colocava uma lata do
produto em exposição na prateleira, o resto ficava escondido. Era uma desculpa
justificada para se livrar dos fregueses do fiado.
Um dia chega o amigo Gonzalez para comprar fiado uma lata de leite no comércio
de Benevides. No que ele fala fiado o “NINHO”, o amigo Benevides se sai bem com
a tática da lata única:
– Oh, amigo Gonzalez, perdoa-me, mas só tem aquela latinha ali. É pra
Goretinha. Minha filha está tão magrinha! A Luzia (esposa de Benevides) está
chegando para levar. Mas vou a Teresina fazer compras nesses dias, e vou trazer
um bom estoque do leite. Aí o amigo pode dispor de uma, ou de mais latas.
– Tem nada não, Benevides. Vou ali no Eurico para ver se ele me consegue uma
lata.
Gonzalez se mudou para Miguel Alves esperando o estoque de leite do amigo
Benevides.
Quando menos esperava, Benevides tem nas mãos uns bons meses de administração
de Duque Bacelar, como interventor federal. Criou-se um vácuo de poder entre o
fim do mandato do prefeito anterior, Constantino Aguiar e a eleição e posse do
Sr. Pedro Oliveira, como prefeito seguinte. Coisa da ditadura militar. E foi
assim em todo o Brasil. O interventor era para ser Pedro Oliveira. Ele ainda
chegou a ser nomeado, mas não assumiu. Se o fizesse não poderia ser candidato
na próxima eleição, que já estava perto. Como Benevides era do seio da família
Oliveira, principalmente de Pedro, ele ganhou seus dias de glória como
prefeito-interventor de Duque Bacelar. E tome elegância do prefeito!
Na nova função, Benevides empanava-se todo para inspecionar obras em sua
gestão. Isso mesmo, inspecionar obras! Prefeito nenhum de Duque Bacelar se deu
ao luxo de andar tão alinhado como o Benevides. Cedinho da manhã, ele aparecia
na Av. Cel. Rosalino, com uma bonita gravata no pescoço, sobre uma camisa de
cambraia de linho azul-claro, bem passada, a ferro de brasa, metida em uma
calça de tropical azul-marinho, também bem passada, com um par de “Vulcabras”
brilhando nos pés. Assim, Benevides comandava uma turma de três homens, de
enxada nas mãos, abrindo valas nas poças de lama que tomavam conta da avenida.
Benevides subia e descia com os homens, esvaziando a lama das poças da avenida
para cobri-las com piçarra.
Na época, a Av. Cel. Rosalino não era calçada ainda. A lama empoçada tomava
conta do logradouro mais importante da cidade. Andar na avenida, só era
possível pulando “cancão” sobre as poças de lama. Dizem que o prefeito
Benevides, em seu dia a dia de trabalho na avenida, foi fazer isso: pular
“cancão” sobre uma poça para proteger da lama o brilhoso par de sapatos, mas as
pernas do prefeito não alcançaram o outro lado da poça, e ele estatelou-se na
lama, com toda sua elegância de prefeito. Isso foi prato cheio para os amigos e
compadre se vigarem das tesouradas de Benevides sobre eles.
E tome gozações encima do Chico Benevides como o prefeito elegante, todo
lambuzado de lama.
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