Moradores
da cidade de Duma, no subúrbio de Damasco, capital da Síria, foram surpreendidos por
helicópteros na tarde do sábado 7. O ambiente foi tomado pelo som atemorizante
de objetos lançados do alto, cortando o ar de maneira estridente. Seguiu-se um
cheiro estranho. Bastaram minutos para que uma população já castigada pelos
horrores da guerra que se arrasta há sete anos perceber que estava sendo
vítima, novamente, de um ataque de armas químicas. Tomados pelo desespero, sem
ter onde nem como se abrigar, aos alvos da ação genocida só restou correr aos
gritos, anunciando a chuva letal que caía do céu. Vieram então o silêncio e o
atordoamento gigantescos que se seguem imediatamente às tragédias, substituídos
rapidamente por uma dor que corta a carne e o coração: hora de cada um contar
seus próprios mortos. Ao todo, foram cerca de quinhentos atingidos. Mais uma
vez, o povo sírio havia passado pela barbárie do holocausto. E a humanidade
deixou registrada na sua história, de novo, imagens inesquecíveis de sofrimento
como a que abre esta reportagem: um pai a carregar o corpo inerte do filho, uma
espécie de retrato real da Pietà de Michelangelo, sintetizando em toda a sua
brutalidade e singeleza o sentimento universal da dor de perder uma pessoa
amada, especialmente um filho. Uma dor que é de todos nós.
A
população síria vem sendo atingida por armas químicas desde 2013. São
despejadas pelo governo do ditador Bashar al-Assad, que desde 2011 promove uma
guerra civil contra seu próprio povo para se manter no poder. Em algumas
ocasiões, os ataques são maciços a ponto de produzirem uma profusão de cenas
chocantes que rodam o mundo. No mais recente, uma das mais difundidas foi um
vídeo feito por uma equipe de resgate entrando em uma das casas, encontrando
pela frente os corpos de crianças, entre elas um bebê, estendidos no chão, com
rostos esbranquiçados e córneas queimadas. Na face dos que sobreviveram, em
especial os pequenos, o olhar de absoluta incompreensão e fragilidade, como o
registrado nos dois garotinhos flagrados em meio à ruínas e estampados na foto
acima, após outro ataque. Ou de simples pavor, como o da menininha, que, no
mesmo retrato, encolhe-se ao lado do batente do portão do prédio que ainda está
de pé, como a esperar que alguém, de alguma forma, a resgate de tamanha
destruição.
A guerra
na Síria já causou mais de 400 mil mortes — o que a torna a maior crise
humanitária do século 21. Por trás do conflito estão interesses complexos
envolvendo, de um lado, a Rússia de Vladimir Putin, e, de outro, os Estados
Unidos comandados por Donald Trump. “O jogo entre as superpotências continua
sendo disputado no tabuleiro, mas quem morre são os sírios”, afirma Kai Kenkel,
professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pesquisador do Instituto de Estudos Globais
e Locais em Hamburgo, na Alemanha.
Ataques
contendo substâncias químicas são considerados crimes de guerra e uma violação
grave aos direitos humanos segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Embora condenado, esse tipo de arma foi usado em diversos conflitos históricos,
desde a Primeira Guerra Mundial. Durante o domínio alemão nazista (1933-1945),
elas foram utilizadas para assassinar milhões de judeus e outras pessoas
consideradas inimigas do regime. Uma substância chamada Zyklon B — nome de registro
de uma mistura de ácido cianídrico, cloro e nitrogênio — era aspergida em
grandes galpões para onde eram levados os prisioneiros de Adolf Hitler. Mais
recentemente, durante a Guerra do Vietnã (1959-1975), os EUA fizeram uso do
agente laranja, um desfolhante que, jogado dos aviões, fez centenas de vítimas
vietnamitas.
Fonte:
Revista Isto É
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