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quinta-feira, 2 de abril de 2020

OS PECADOS DA CARNE: SEXO E SEXUALIDADE NA IDADE MÉDIA

Muitos aspectos da sexualidade medieval fazem parte mais do imaginário coletivo do que da história propriamente dita. O direito de pernada (“jus primae noctis”) ou direito do senhor em desvirginar uma noiva plebeia nunca foi provado. O cinto de castidade foi uma invenção do Renascimento. Havia, sim, proibições e a Igreja ditava normas sexuais para os cônjuges, porém, não existiram costumes e práticas uniformes e imutáveis por um milênio. As regras e interpretações de caráter teológico são produto da história e, como tal, mudam ao longo do tempo. Houve divergências entre as autoridades eclesiásticas sobre sexo e sexualidade e, dependendo do período e das circunstâncias, certos comportamentos sexuais eram tolerados. 

Ao longo dos séculos o prazer sexual foi dando lugar ao sexo para procriação, as relações sexuais foram sendo circunscritas à esfera conjugal e o matrimônio tornou-se um rito sacralizado. A ideia de pecado se alargou e reforçou o medo do castigo divino e do inferno. As autoridades eclesiásticas começaram a impor regras de conduta, de abstinência e proibições. Mas isso levou tempo e, pode-se dizer, que alcançou uma certa generalização a partir do século XI. Tamanha ingerência na vida humana certamente não impediu que as práticas sexuais, especialmente longe das autoridades, seguissem seu caminho natural, nos bosques, nos estábulos, nas tabernas e até mesmo no interior das igrejas. 

O único sexo lícito e não pecaminoso era o marital em que a esposa era exclusivamente receptora e reprodutora. Daí a única posição sexual permitida pela Igreja era a do missionário, isto é, o homem sobre a mulher. A mulher deve permanecer passiva, deixando toda iniciativa ao homem. Era o sexo casto para procriação. A relação sexual era um ritual de poder e identidade masculina, em que a virilidade está na força da penetração e na ejaculação. “Neste caso, o homem vai à mulher como quem vai à privada; para satisfazer uma necessidade”.

Moderar a luxúria, isto é, o desejo, era a regra de todo cristão. Santo Agostinho alertava “É também adúltero, o homem que ama com demasiado ardor sua mulher”. Acreditava-se que sexo em excesso encurtava a vida, secava o corpo, reduzia o cérebro e destruía a visão. Para não errar a dose, recomendava-se: relações noturnas, sem nudez completa, duas vezes por semana (não mais que isso) e sem provocar a volúpia por gestos, palavras ou atitudes impudicas. Daí a única posição sexual permitida pela Igreja medieval era a do missionário, isto é, o homem sobre a mulher. O casal pecava se abusava das relações ou se procurava o prazer através de outras técnicas ou posições. Posições desviantes ultrajavam a ordem natural e provocavam a ira de Deus. 

Se um casal fosse visto em pleno ato sexual, com a mulher em cima do marido, ou praticando sexo anal ou oral (felação ou cunilíngua) podia ser condenado a vários anos de prisão, conforme o tribunal e as circunstâncias. Práticas sexuais indevidas eram chamadas de fornicação, termo bíblico que atravessou os séculos carregando a conotação pecaminosa de ato sexual condenado por Deus. Fornicação era o sexo sem fins reprodutivos, isto é, por prazer. 

A Igreja exigia dos casais três longos períodos de abstinência sexual: Natal (30 a 35 dias), Quaresma e Páscoa (47 a 62 dias) e Pentecostes (50 dias). Relações sexuais eram proibidas, também, aos domingos, Dia do Senhor, às quintas-feiras e sextas-feiras consagrados para a preparação da comunhão, e nas festas de santos em particular. O casal também devia se abster de sexo durante a gravidez da mulher, na quarentena após o parto, no período de aleitamento e nos dias de regras menstruais. Os períodos de interdição ao sexo eram tantos que podiam chegar a 250 dias no ano.

O adultério era crime considerado essencialmente feminino visto que o corpo da mulher pertencia ao marido. O filósofo e escritor inglês Geoffrey Chaucer (c. 1343-1400) dizia que a adúltera “rouba o seu próprio corpo ao marido para entrega-lo à luxúria, profanando-o, e rouba a sua alma a Cristo para entrega-la ao diabo”. O marido traído tinha autorização tácita para matar tanto a esposa adúltera como o amante. A Igreja sempre procurou contornar tais vinganças sangrentas por meio das chamadas “cartas de perdão de cornos”, através das quais se instava o casal a retomar a vida em comum. O adultério e outros crimes sexuais também eram passíveis de punição pela legislação régia podendo o rei conceder “carta de perdão” ao acusado de adultério, incesto, bigamia, alcovitagem, concubinato etc. 

A prostituição, na qualidade de pura fornicação, era condenada pelo cristianismo, porém, tacitamente tolerada pelas autoridades eclesiásticas e civis por ser considerada um “mal necessário”. Servia para aplacar o desejo masculino, proteger as donzelas e as esposas virtuosas. 

Apesar da Idade Média ter ganhado a fama de período de repressão sexual, a severidade moral da Igreja e das autoridades civis foi mais dura, intolerante e punitiva a partir do final do século XV, em pleno Renascimento. Os dogmas mais rígidos foram estabelecidos no Concílio de Trento (1545-1563) que reafirmou o catolicismo mais intransigente. A centralização política e a dinamização das rotas comerciais permitiram que as leis, a vigilância religiosa e as punições chegassem a toda parte. No mundo católico, a repressão radicalizou-se com a criação da Inquisição, que teve seu equivalente (igual ou pior) no meio protestante, com a obediência férrea às Sagradas Escrituras. Ganhava forma, assim, o contexto moral que reprimiu, sem concessões, a sexualidade durante centenas de anos, chegando praticamente até o final do século XX.

Fonte: Ensinar História

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