No século XIX, não existia no Brasil uma rede
pública de saúde. As pessoas com posses se tratavam em casa, com médicos
particulares. Os pobres recorriam a instituições de caridade, como as santas Casas
de misericórdia. Conhecido no exterior, mas novidade no país na época, o vírus
da febre amarela pegou o Governo imperial de surpresa e
avançou sem piedade sobre as grandes cidades do litoral, deixando um rastro de
pânico e morte.
Apenas no Rio de Janeiro, capital de 200 mil
habitantes, perto de 4 mil pessoas morreram em poucos meses na epidemia de
1849-1850. Transportando essa proporção para a atualidade, quando a cidade se
aproxima dos 7 milhões de habitantes, é como se a doença hoje tirasse a
vida de 130 mil cariocas.
Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram
que, apesar da destruição que a doença produzia a olhos vistos no Império,
houve políticos que negaram a realidade e procuraram
minimizar a gravidade da epidemia.
Num discurso em abril de 1850, no Palácio Conde dos
Arcos, a sede do Senado, no Rio de Janeiro, o senador e ex-ministro Bernardo
Pereira de Vasconcellos (MG) garantiu que a doença não era assim tão perigosa e
chegou a pôr em dúvida se seria mesmo a temida febre amarela: “Eu estou
convencido de que se tem apoderado da população do Rio de Janeiro um terror
demasiado e que a epidemia não é tão danosa como se têm persuadido muitos”.
Apenas duas semanas após fazer esse discurso, o senador Vasconcellos morreu de
febre amarela.
Ele não foi a única vítima da doença no Palácio
Conde dos Arcos. No curto espaço de dois meses, o Senado perdeu quatro
parlamentares. Além de Vasconcellos, foram levados pela febre amarela os
senadores Visconde de Macaé (BA), Manoel Antônio Galvão (BA) e José Thomaz
Nabuco de Araújo (ES), avô do abolicionista Joaquim Nabuco.
Mesmo com essas mortes, os negacionistas do
Senado não se renderam facilmente à realidade.
“Eu tenho algumas 22 pessoas na minha casa e não tive
uma única delas doente”, afirmou o senador Costa Ferreira (MA), referindo-se
aos seus familiares e escravizados.
“Infelizmente eu, na epidemia reinante, tive de
ordenar dois enterros. Gostaria de me esquecer de todas as penas que então
sofri”, reagiu o senador Visconde de Abrantes (CE), ofendido pelo comentário do
colega.
“Se está tão apaixonado pelos dois defuntos que
enterrou, então não está em estado de deliberar aqui no Senado “, provocou,
entre risadas, o senador Alves Branco (BA).
Assim que uma das tantas epidemias de febre amarela se
instalava no Rio de Janeiro, o Governo destinava recursos financeiros extras à
Santa Casa, que corria para abrir enfermarias temporárias pela capital,
semelhantes aos atuais hospitais de campanha. Mas houve autoridades que não gostaram
de usar dinheiro público para ajudar os pobres.
Houve senadores incomodados com a estratégia. Um deles
foi Leitão da Cunha (AM), que se queixou da instalação de uma enfermaria para
os desvalidos em Laranjeiras, bairro nobre do Rio de Janeiro.
“Há bairros inteiros da cidade onde não se tem
manifestado um único caso da epidemia reinante. Entre eles, o das Laranjeiras.
Pois foi montada uma enfermaria à Rua das Laranjeiras. Deslocar as providências
dos bairros afetados da epidemia para ir, por assim dizer, enxertá-las onde ela
não existe é realmente uma ideia que é extravagante e não tem justificação”,
afirmou Leitão da Cunha.
O senador Visconde de Olinda (PE) discordou quando o
colega Costa Ferreira (MA) argumentou que os pobres infectados precisavam,
sim, ser tratados à custa do dinheiro público.
“Como particular, concorrerei para que se façam dessas
obras de caridade”, disse o Visconde de Olinda. “Mas, como homem público,
rejeito essa doutrina do nobre senador, que aproxima-se um pouco do socialismo.
É um dos pontos do socialismo sustentar os pobres, e o
nobre senador, sem querer, vai cair nesse erro”.
A situação no Brasil só mudaria no início do século
XX, já na República, quando o médico Oswaldo Cruz, nomeado pelo Governo para
comandar a Diretoria-Geral de Saúde Pública, dedicou-se a combater o
mosquito Aedes aegypti. Em 1909, como resultado, o Rio de Janeiro foi
finalmente considerado livre da febre amarela. A descoberta da vacina,
em 1937, abriu uma nova frente de batalha. No Brasil, a última epidemia ocorreu
em 1942, mas recentemente os números da doença voltaram a crescer no país. Com
o aumento de doutrinas e fake news espalhados pela internet que orientam
erroneamente as pessoas a não vacinarem seus filhos.
Fonte: OBSERVATORIO3SETOR.ORG.BR
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