Era o início do ano de 1994. Março, precisamente. O Brasil ainda era tricampeão mundial de futebol e Ayrton Senna ainda voava baixo nos circuitos da Fórmula 1.
Em São Paulo, o ano letivo havia acabado de começar para a escola de Educação Infantil Base, no bairro da Aclimação, em São Paulo. Tudo corria normalmente até o dia em que Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho notaram comportamentos estranhos em seus filhos, estudantes da instituição, e se dirigiram à delegacia para prestar queixa contra seis pessoas relacionadas ao colégio.
De acordo com as mães, os donos da escola, Icushiro
Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim Alvarenga e seu
esposo, Maurício Monteiro Alvarenga — o motorista da Kombi que levava as crianças
para a escola — faziam orgias com
as crianças de
quatro anos de idade no apartamento de Saulo e Mara Nunes, pais de um dos
alunos.
O delegado incumbido da investigação, Edélcio Lemos,
enviou os filhos de Lúcia e Cléa ao Instituto Médico Legal e conseguiu um mandado de busca e apreensão ao
apartamento onde, supostamente, as crianças eram abusadas.
Quando nada foi encontrado, as mães, indignadas, foram à Rede Globo. Foi a partir daí que o caso da Escola Base explodiu e virou referência. No
mesmo dia, o laudo do IML foi analisado pelo delegado.
Era inconclusivo, mas
dizia que as crianças apresentavam lesões que podiam ser de atos sexuais. Foi o
suficiente para o delegado, que deu declarações dúbias à imprensa. Os acusados
já eram, aos olhos do povo, culpados antes de qualquer julgamento.
Como nenhum grande evento estava ocupando as manchetes
na época, a mídia deu uma enorme atenção ao caso. Os veículos investigavam
o delegado e vice-versa, e o que se seguiu foi uma série de notícias recheadas
de informações cuja veracidade não havia sido comprovada. A manchete do
tablóide paulista Notícias Populares, “Kombi era motel na escolinha do sexo”, apesar do sensacionalismo que
lhes era peculiar, traduz com maestria a forma como a imprensa estava lidando
com o caso.
Com o tempo, Lemos foi afastado da investigação, e os
delegados substitutos ainda encontraram, por denúncia anônima, Richard Herrod
Pedicini, um fotógrafo americano que morava nas redondezas da escola e, segundo
a denúncia, vendia fotos das crianças molestadas.
A filha de Cléa foi levada ao apartamento do rapaz
para fazer reconhecimento e quis brincar com uma abelhinha de pelúcia que
estava no chão. Foi o suficiente para que fosse decretada a prisão preventiva
do fotógrafo, enquanto a mídia já anunciava seu envolvimento com o caso.
“Alunos da Escola Base reconhecem a casa do americano” era o principal assunto
das manchetes.
Invariavelmente, as provas da inocência começaram a
aparecer. Quando a prisão preventiva de Saulo e Mara foi decretada, os
advogados do casal finalmente tiveram acesso ao laudo do IML e viram o quão
inconclusivo era, com a própria mãe de um dos meninos admitindo que ele sofria
de constipação intestinal, uma das probabilidades apontadas pelo laudo. A
partir daí, apareceram depoimentos de outras pessoas como funcionários do
colégio e pais de outros alunos em defesa dos acusados.
Em junho, três meses depois, os suspeitos foram
inocentados pelo delegado Gérson de Carvalho, um dos que assumiram a
investigação. No entanto, o estrago já estava feito. Os danos psicológicos e
morais aos acusados eram enormes, além, é claro, dos materiais. Os inúmeros
gastos com o processo deixaram as finanças de todos completamente
arruinadas.
Os meios de comunicação foram acusados de não retratar
a verdade de fato, declarando, apenas, que as investigações foram encerradas
por falta de provas, sem necessariamente dizer que os acusados eram inocentes.
Diversos processos foram movidos contra o Estado e a mídia. Maria e Icushiro
faleceram sem receber todo o dinheiro que lhes era devido, ela de câncer em
2007 e ele de infarto em 2014.
Paula nunca mais conseguiu trabalhar como professora,
pois ficou marcada como abusadora de crianças. Ela e o marido, Maurício, se
divorciaram em virtude das dívidas e da paranoia incontrolável que o rapaz
desenvolveu após o caso. Saulo e Mara, como os outros, também enfrentaram
problemas financeiros. Richard, mesmo após a conclusão, passou anos angariando
recursos para mostrar que ele era, de fato, inocente.
O caso da Escola Base se tornou objeto de estudo em
diversos campos e cursos como jornalismo, psicologia e direito. A cobertura da
imprensa foi completamente parcial e monofônica, com os envolvidos sendo
crucificados sem nenhum direito de resposta e apenas a voz do delegado, que se
deixou levar pelos holofotes, estava sendo ouvida pelos veículos da mídia.
Toda a história lançou uma luz nos poderes e
responsabilidades da imprensa, e a discussão acerca da destruição de reputações
se tornou mais séria do que jamais foi. Com o advento da Internet, onde nunca
foi tão fácil manchar a imagem de alguém por qualquer coisa, o ocorrido na
Escola Base serve como um bom paradigma do que fazer e, principalmente, do que
não fazer nesse tipo de situação.
Fonte: Revista Aventuras na História
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