Algumas cidades-estados medievais começaram a fazer o
que o mundo está fazendo agora, aqui no século 21: fecharam suas fronteiras.
Entenderam que era mais fácil controlar
o contágio isolando os doentes locais e impedindo que infectados de
outras regiões adentrassem seus territórios.
Mas então outra questão atual, destes nossos tempos de
coronavírus, logo se impôs: e a economia? Como
manter o comércio vivo sem os produtos que chegavam de outros países –
e sem poder vender para eles?
Graças à sua posição estratégica, no alto do Mar
Adriático, como uma porta litorânea para a Europa continental, Veneza – que na
época era um Estado soberano, a “Sereníssima República de Veneza” – lucrava
muito com o comércio entre Ocidente e Oriente. Fechar-se aos navios
estrangeiros, por motivos sanitários, era um péssimo negócio para os
venezianos.
Por outro lado, ninguém queria morrer de peste. E aí?
A economia ou a saúde? Para preservar as duas, algumas cidades viram uma
solução no confinamento temporário dos comerciantes. Sim, um tipo de
quarentena. Mas que ainda não era “quarentena” porque, de início, durava 30
dias: era a “trintena”.
Essa política começou numa parte da atual Croácia, que
na época integrava a República de Veneza. A cidade de Ragusa estabeleceu uma
lei, em 1377, que obrigava todos os tripulantes de barcos que chegavam à
região, provenientes de áreas infectadas, a se submeter a um isolamento de 30
dias – que seria passado em instalações apropriadas numa ilha próxima.
Eram os lazaretos, nome que também vem da Bíblia, do
Lázaro, ressuscitado por Jesus. Esse confinamento de um mês seria o bastante
para ver quem estava saudável ou doente entre os comerciantes – até porque os
infectados costumavam morrer rápido.
Enquanto o resto de Veneza mantinha suas fronteiras
fechadas, Ragusa foi o primeiro porto mediterrâneo a implantar esse período de
segurança, que lhe permitia manter a economia funcionando sem colocar a saúde
de seu povo em risco.
Para os comerciantes estrangeiros, era melhor aceitar
o transtorno do confinamento temporário que perder um negócio lucrativo. Logo a
medida seria adotada em outros locais e ficaria mais rígida, quando o Senado
veneziano estendeu o período de isolamento para 40 dias – finalmente, a
quarentena propriamente dita.
Não há registros que expliquem o porquê da mudança,
mas historiadores cogitam dois motivos. O primeiro é de ordem religiosa. Quarenta
é um número com forte representação na tradição judaico-cristã.
“Na Bíblia, períodos simbólicos de transformação são
de 40 dias”, explica Áureo Lustosa Guérios, doutorando em humanidades médicas
pela Universidade de Padova, na Itália, e que promove um curso sobre o tema no
Brasil.
“O dilúvio dura 40 dias, os judeus viajam por 40 anos
do Egito para a Terra Prometida, Moisés fica 40 dias no Monte Sinai para falar
com Deus, Jesus faz jejum no deserto por 40 dias.”
O segundo possível motivo tem a ver, de novo, com o
conhecimento empírico, pela contínua observação dos múltiplos casos de gente
doente, as autoridades chegaram à constatação de que, da data da infecção até o
fim da doença entre os pacientes que não morriam, passavam-se 37 dias.
Fonte: Aventuras na História
Nenhum comentário:
Postar um comentário