O quilo, o metro, o litro, medidas sem as quais muita
gente hoje não saberia como viver, foram implantadas à custa de muita desavença e conflitos por
todo o mundo.
Depois de determinadas por comissões científicas no
fim do século 18, as unidades demoraram décadas para serem estabelecidas –
ainda hoje ingleses custam a render-se às unidades francesas. Aderir a uma
unidade alheia significava deixar a própria cultura de lado – e, quando a
mudança se tornou obrigatória, queixas eram quase inevitáveis.
Foi assim em todo o planeta – e pouca gente sabe que
no Brasil também.
Em 1874, a obrigatoriedade do uso do quilo foi a gota d’água para o “revolta do
quebra-quilos”, um movimento que começou na Paraíba, se espalhou por mais três
estados do Nordeste e só
foi contido pelo envio de tropas federais.
Em 31 de outubro, em Campina Grande, na Paraíba,
centenas de pessoas invadiram a feira da cidade protestando contra os novos
pesos e medidas. Aos gritos, a massa quebrava os moldes de quilos dos
feirantes, que eram fornecidos (vendidos ou alugados) pela administracão
municipal.
Os revoltosos invadiram os mercados, coletorias e a
Câmara Municipal, destruíram os novos padrões e queimaram os arquivos contábeis
do governo. Um panfleto intitulado “Manifesto da Sedição do Quebra-Quilos”
apregoava: “É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam eternamente
desta terra os ladrões”.
Os cordéis ajudaram a convencer a população com suas
rimas. Aos poucos, a revolta se alastrou para outras vilas e cidades
paraibanas, além dos estados de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Em
todos esses lugares, a multidão revoltada tinha a mesma característica: a de
buscar nas sedições uma espécie de legitimação para seus costumes, que de
repente vinham sendo atacados pelas autoridades.
Uma reação diante da conjuntura da época: para
ingressar na via da modernização, o Brasil estava deixando para trás a tradição em que o que vale é o
reconhecimento direto e o “apalavrado”. Mas as autoridades não queriam saber.
Quem não utilizasse os novos padrões poderia ser
punido com prisão de cinco a dez dias e pagaria multa. Todavia, o clima
esquentou por causa do aumento da cobrança de tributos. O país vinha
enfrentando uma crise econômica devido à queda das vendas internacionais de
açúcar e de algodão.
A crise abrangia principalmente as províncias
nordestinas, tradicionalmente açucareiras e cotonicultoras. Para o governo, o
aumento de impostos era a solução. Para o povo, porém, os tributos, assim como
as novas medidas, ofendiam os costumes e a tradição do país.
Além disso, em tempos de crise, o povo esperava por
ajuda, não por cobranças. Como os tributos eram calculados utilizando as novas
medidas (quilos, litros e metros), a obrigatoriedade de utilizá-las foi a gota
d’água para a revolta.
Agricultores, criadores de gado e comerciantes, os
quebra-quilos eram vistos pelas autoridades como um “bando de matutos armados
de facas e cacetes”. Como os arruaceiros gritavam frases como “viva a religião
e morra a maçonaria”, as acusações de liderança do movimento logo caíram sobre
a Igreja Católica, na época às turras com dom Pedro II.
Dois padres chegaram a receber ordem de prisão junto a
outros líderes suspeitos. Esses líderes passaram a ser perseguidos no começo de
1875, com o crescimento da revolta. No Rio Grande do Norte, duas pessoas
morreram e cinco se feriram depois de um dia de reação das forças imperiais.
As tropas do governo, armadas de baionetas e
espingardas, chegaram por mar, a bordo do navio Werneck, vindas do Maranhão para o Rio Grande do Norte. Os cabeças do
movimento foram processados e, alguns, obrigados a restabelecer os novos pesos
e medidas por eles destruídos nos mercados e feiras, e obrigaram-se a indenizar
aos particulares o dano causado nos seus estabelecimentos.
O ato mais ferrenho da repressão foi a aplicação dos
chamados “coletes de couro”. Segundo o historiador Armando Souto Maior,
“amarrados, os prisioneiros eram em seguida metidos em grosseiros coletes de
couro cru; ao ser molhado, o couro encolhia-se, comprimindo o tórax das
vítimas, quase asfixiando-as”. O método causou a revolta de muitos comerciantes,
mas também medo – à custa do qual a medida do quilo foi finalmente implantada
no Nordeste.
Fonte: AH
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