Era manhã de 4 de setembro de 1990,
quando funcionários do Cemitério Dom Bosco, na Zona Oeste de São Paulo, foram
convocados para remover a terra de uma área de gramado dos fundos do local. Até
então, era só mais um dia comum no serviço funerário, mas o trabalho dos
operários acabou virando um dos episódios mais macabros da
história brasileira.
Mal imaginavam eles que estavam
prestes a resgatar a memória de mais de mil mortos pela ditadura militar. Tudo
parecia um grande pesadelo; durante as escavações, os homens encontraram sacos
plásticos que continham vários ossos humanos.
Sob gestão de Paulo
Maluf, ainda na década de 70, o cemitério virou exclusivo para enterrar
corpos de indigentes. Pelo menos, essa foi a justificativa dada na época. Mas,
com a descoberta dessas novas ossadas, um novo mistério se iniciou.
Naquele dia, o lugar se encheu de
jornalistas e especialistas, além da visita de Luiza Erundina, prefeita na
época. Alguns corpos foram levados ao Ministério Público Federal para uma
análise, que contou com pesquisadores da Unifesp. Os estudos indicaram 1.047
ossadas na vala, todos de pessoas que foram enterradas sem registro. Além
disso, os restos mortais continham detalhes específicos, como dentes de ouro e
marcas de tortura evidentes, que não eram compatíveis com as características de
corpos indigentes. As análises comprovaram que aquela parte do cemitério havia
sido usada clandestinamente por agentes do Estado durante a ditadura militar.
Nos anos de chumbo, as
perseguições contra militantes de esquerda, estudantes, entre
outros, se acentuou devido o estabelecimento do AI-5, que
institucionalizou as torturas e assassinatos praticados pelos agentes do
regime. Era comum, portanto, casos de pessoas que desapareciam repentinamente —
e estão desaparecidas até hoje — após serem presas pelas forças militares, ou
sequestradas por grupos paramilitares.
Mortos e desaparecidos não podiam
ser revelados, e muito menos enterrados em cerimônia aberta. O governo, por sua
vez, deu seu jeito: criou valas clandestinas para ocultar os
corpos.
O lugar no cemitério em que essas
ossadas foram achadas ganhou reconhecimento oficial após a descoberta,
recebendo o nome de Vala de Perus.
Lá estavam jogados os restos mortais de vítimas da repressão política da
ditadura, e até mesmo da epidemia de meningite em
São Paulo, caso que as autoridades da época tentaram abafar.
"A descoberta da Vala de
Perus foi uma vitória sobre o esquecimento. O local é a prova de como os crimes
contra os perseguidos políticos se unem a assassinatos cometidos pelos
policiais dos esquadrões da morte durante o regime e mesmo depois",
analisa o filósofo Lucas Paolo Vilalta, coordenador da área de
Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog.
"Num momento em que
enfrentamos o negacionismo, com um governo que faz apologia à ditadura, é
importante trazer a verdade, a História. A ditadura cometeu uma série de violações
aos direitos humanos. Muitas famílias
Uma investigação foi aberta por
ordem da prefeita Erundina para identificar os corpos. Uma estimativa
apurou que entre os enterrados, vinte eram de presos políticos, e o resto eram
de vítimas de violência da época.
Em uma ação promovida pelas
organizações dos direitos humanos e familiares dos mortos e desaparecidos,
um monumento em homenagem e memória àqueles acometidos ali foi levantado no
local da Vala de Perus, hoje é considerado um memorial.
Fonte: AH