Thaís Oyama
No Congresso, parte dos parlamentares odeia Deltan Dallagnol por ter
sido vítima da Lava Jato; outra parte o detesta por ter amigos que viveram essa
situação; e os demais não suportam o ex-procurador por achá-lo presunçoso,
messiânico ou simplesmente enfadonho.
Mesmo no PL, partido que abriga os poucos lava-jatistas que restaram, o
ex-procurador filiado ao pequeno Podemos não é unanimidade, pelo contrário: na
cúpula da sigla, há quem lhe deseje não menos que o fogo dos infernos.
Dallagnol não tem turma.
Ontem, o ex-chefe da Lava Jato perdeu o mandato numa votação no Tribunal
Superior Eleitoral que durou seis minutos, não suscitou pedido de vista por
parte de nenhum ministro e resultou de uma leitura "extensiva" da Lei
da Ficha Limpa.
Em resumo: a lei diz que membros do Ministério Público ficarão
inelegíveis se, no intuito de evitar punição, pedirem exoneração enquanto respondem
a Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Ocorre que Dallagnol não estava
respondendo a nenhum processo do gênero quando pediu para sair. Mesmo assim, o
ministro relator, Benedito Gonçalves, achou por bem considerá-lo culpado, dado
que o ex-chefe da Lava Lato estava submetido a OUTRO tipo de investigação
("procedimento preliminar") e tentou evitar que esse outro tipo de
investigação se transformasse num PAD. Com isso, entendeu o ministro, o
ex-chefe da Lava Jato "agiu para fraudar a lei".
Um dos princípios do Direito é o de que uma lei que restringe direitos,
liberdades e garantias (como a de exercer um mandato para o qual se foi eleito)
deve ser interpretada de forma restritiva — ou seja, deve ser interpretada de
forma a reduzir, e não ampliar, o seu alcance. O que o TSE fez foi o contrário: interpretou de forma extensiva uma lei
restritiva.
Um segundo e notório princípio é o de que uma fraude deve ser
comprovada, nunca presumida — precisamente o que fez o TSE, no entender de
alguns poucos especialistas que vieram a público criticar a decisão da corte
sobre Dallagnol.
E o fato de muitos especialistas terem preferido fazê-lo pedindo a
jornalistas que preservassem o sigilo da fonte diz muito sobre os tempos que
vivemos.
Ontem, o comediante Léo Lins teve o seu programa censurado na internet e
foi impedido de sair dos limites da cidade sem autorização judicial por ter
"reproduzido discurso e posicionamentos que hoje são repudiados",
segundo escreveu em sua decisão a juíza Gina Fonseca Correa, do Tribunal de
Justiça de São Paulo.
A juíza se referia a piadas feitas por Lins sobre escravidão e minorias,
cuja provável falta de graça agora é impossível constatar, dado que a
magistrada ordenou a retirada do material do ar.
Assim como no caso de Dallagnol, tirando um punhado de bolsonaristas,
não se ouviu um coro de vozes se erguer na defesa do comediante vitimado pela
censura virtuosa.
Ortega Y Gasset já via algo de muito errado num mundo em que a direita
defende as liberdades e a esquerda propõe tiranias.
E o fato de que, no
caso brasileiro, quem vem flertando com elas não é o Executivo, mas o
Judiciário, torna o horizonte ainda mais plúmbeo — e para todas as turmas.