Sexta-feira, 16 de outubro de
2009. Foi um longo dia de trabalho na assessoria de comunicação. Às
17h30min, estava indo para casa quando recebi uma chamada telefônica. Era minha
irmã, Meire, que aos gritos, perguntou:
-Carlinhos, tú já sabe o que
aconteceu?
-Não! Que desespero é esse,
menina? O que foi que aconteceu?
- A Eveline tomou veneno! Na
casa de dona Josefa já estão entrando na van pra ir para Teresina, disse.
Começou, assim, a nossa
via-crúcis, o nosso calvário. Era o início de um sofrimento interminável que
culminou com a morte de uma pessoa linda, inteligente, meiga, trabalhadora,
sensível e dotada de uma capacidade extraordinária de sorrir das dificuldades
da vida.
Com a notícia entrei em choque.
O desespero tomou conta da alma, mas a esperança de que tudo se resolveria
alentava-me o coração. Os telefonemas não paravam de chegar. Meu Pai, minha
irmã, Edilene, minha mãe. Havia muito desencontro, pois Eles estavam em Duque
Bacelar e, também, não sabiam do que acontecia em Teresina. Tudo muito vago.
Enquanto, isso, providenciava
um carro para viajar para Teresina. O desespero, o choro, a angústia estavam
destruindo minhas entranhas. O apoio das pessoas amigas que já sabiam do que
tinha ocorrido foi fundamental para reunir forças e seguir ao encontro de minha
filha. A Anahilda, mãe do meu filho, Carlos Eduardo, foi uma dessas pessoas.
Ela responsabilizou-se por tudo que não podíamos fazer naquele momento e,
depois. Foi uma aliada insubstituível. Serei eternamente grato.
Chegamos ao HUT- Hospital de
Urgência de Teresina por volta das 20h30min. Lá, já se encontravam os
familiares: Clélia- a mãe, dona Josefa- avó materna, tias, primos, minha irmã,
Rosilene e muitos amigos de Eveline.
Com poucas informações médicas,
todos estavam desolados, porém confiantes de que o quadro seria revertido.
Passei, então, de forma determinada a procurar uma maneira de entrar no
hospital. Precisava ver milha filha, pois a última vez que tínhamos conversado,
pessoalmente, foi no dia 16 de agosto, dois meses antes da fatídica tragédia
que se abateu sobre nossas vidas.
A mão amiga do ex-prefeito de
Duque Bacelar, Stênio Cesário Elias, foi providencial. Depois de meia hora,
consegui chegar à enfermaria onde estava a minha menina.
Um total estado de nervosismo
tomava conta do meu corpo, não conseguia parar de tremer. Tive dificuldades de
encontrar a enfermaria, até que orientado por um funcionário cheguei lá.
Entrei! Quando vi Eveline, o pânico tomou conta de mim, mas tentei me controlar
para não transmitir insegurança, falta de fé e de esperança.
Ela tinha uma sonda no nariz
por onde escorria um líquido esverdeado para um balde debaixo da maca. Dois
soros pingavam velozes, não sei com quais medicamentos, para suas veias. Era a
minha filha que se encontrava naquela situação: totalmente debilitada,
magérrima, os ossos da face pontiagudos, como se quisessem sair. Coberta por
dois ou três lençóis, pois o local estava congelando. Não resisti e chorei, sem
alarde, só comigo, engolindo aquele choro silencioso de quem pressentia o pior.
Aproximei-me, cheguei bem perto. Ela estava com os olhos fechados:
- Eveline! Eveline! Eveline!
Eveline! Vel sou eu, teu pai!- Nada, nenhuma resposta.
Continuei chamando, mais umas
três vezes. Quando ouvi aquela voizinha arrastada e quase sussurrando que,
disse:
-Paaiii! Paaii! Oh! Pai!
-Oh! Meu amor vai dar tudo
certo. Todos os que te amam estão torcendo muito por você. Nós te amamos muito,
muito. Você vai sair dessa e vamos fazer uma grande festa para comemorar,
disse.
Eu segurava a mão gélida de
minha filha. Apesar de tentar demonstrar segurança, estava desesperado. O
quadro clínico, a olho nu, era gravíssimo, dava para perceber.
Durante o tempo em que estive
na enfermaria tentei mantê-la acordada, tarefa difícil, pois a todo instante
Ela serrava os olhos. Os olhos me chamaram muito à atenção, pois não tinham
brilho, algum. Através deles dava para ver, lá dentro, a dor cruel e o profundo
arrependimento que assolava a alma de minha Carla Eveline.
Quando Ela fechava os olhos Eu
ficava alucinado de medo, achava que naquele momento a vida esvair-se-ia.
Chamava-a, desesperadamente:
-Eveline! Eveline! O que meu
bem tá sentido? E, Ela respondia com uma voz distante, sussurrada:- frio, Pai!
Muito frio.
As tentativas para aquecê-la
foram várias: nas mãos, nos braços e nos pés. Passei a mão por baixo dos
lençóis e percebi água, tudo molhado. Era urina.
Enquanto tentava de todas as
formas passar calor para o corpo sofrido, Ela, de rompante arrancou a sonda do
nariz. A enfermeira reclamou bastante, pois aquela era a quinta vez que
acontecia. Então, pedi:
-Eveline, por favor! Não retire
mais a sonda. É para o seu bem, você vai ficar boa, mas precisa fazer esse
sacrifício!
-Pai, dói demais! Ela disse.
A sonda foi, novamente,
colocada. Ela não retirou mais, aceitou passivamente, resignadamente o suplício
para obter a cura.
Depois de algum tempo, dormiu.
Foi à última vez que ouvi a voz, que falei com a minha amada filha Carla
Eveline. Não tem um dia, sequer, em que não recorde desses últimos momentos. A
voz triste e arrastada, as últimas palavras a ressoar, diariamente, na minha
cabeça.
O meu tempo havia terminado.
Retornei ao leito, apertei-a nas mãos, beijei-a na face fria e, disse colado ao
ouvido Dela:- vai dar tudo certo, meu amor! Ao dirigir-me para a saída, olhei
para uma pequena mesa de aço, branca, e, em cima algo chamou minha atenção. Era
o frasco do maldito veneno que Eveline tomara. Olhei, detidamente, para aquilo,
ali. Havia uma mancha escura, que, possivelmente, escorreu quando foi colocado
o líquido no copo. Como odiei aquele assassino. Parecia sorrir com o
sofrimento, com o desespero que estávamos passando e que nos atormentarão todos
os dias de nossas vidas.
Nunca perdemos a fé e a
esperança. Tínhamos uma certeza tão grande de que sairíamos com a Eveline viva,
que às vezes nos pegávamos sorrindo.
As nossas histórias, dos meus
familiares e dos da Clélia, dos amigos, se entrelaçam. Mas, com cada um de nós
aconteceu um fato, uma situação. Existem os ocorridos inerentes a todos.
Entretanto, cada um, individualmente, viveu de sua maneira aqueles dias de sofrimento.
A dor varia e cada pessoa reage à sua maneira. O que está sendo narrado nestas
páginas diz respeito ao que aconteceu comigo, ao que eu vi, ao que eu vivi.
Muitos dos acontecimentos foram comuns a todos, outros não.
São quatro anos-20 de outubro-
sem a nossa querida Carla Eveline Lopes Machado. A saudade continua
insuportável, mas a fé está sendo revigorada. Pois, temos certeza que Ela está
no paraíso olhando por todos nós que a amamos. Continuaremos te amando, Meu
Amor, para sempre.