Durante todo o Império Romano, a religião era um dos assuntos mais
sagrados, levado a sério por todos os líderes e pela população no geral.
Naquela época, a espiritualidade tinha um papel fundamental e, assim, definia a
sociedade e suas relações de poder.
Muito além dos sacerdotes e dos deuses, a
religião romana também contava com ritual brutal, mas que, para
eles, significava muita coisa: o sacrifício animal. Em tais cerimônias, as vítimas
mortas tinham diversos de seus órgãos — como fígado, pulmão e coração —
queimados em forma de oferenda.
Apesar de espiritual, é possível imaginar o quão
sangrento e bagunçado era o ritual de sacrifício. Litros de sangue eram
derramados e, de certa forma, os animais não eram mortos com piedade e
dignidade — não que essa fosse a intenção.
Por esses e outros motivos, os sacerdotes de
Hierápolis, na atual Turquia, agradeceram aos céus quando encontraram um portal
que se dispunha a fazer o sacrifício por eles. Para muitas autoridades pagãs,
no entanto, aquela era a verdadeira entrada do inferno.
Corpo ou alma?
Logo na frente de uma pequena gruta, um imponente arco
de pedra chamava atenção daqueles que caminhavam pelas ruas de Hierápolis.
Silencioso e quase cruel, a construção ficava lá, encarando os moradores com um
tom letal e despretensioso.
Em volta do enorme arco ficavam grandes arquibancadas
que, segundo literaturas da época, eram usadas por fiéis que desejavam assistir
aos sacrifícios à todo custo. O interesse pelo mórbido, afinal, era algo comum
para a época da luta de gladiadores.
Foi exatamente naquele portal que, na frente de
centenas de pares de olhos, os pobres animais — como vacas e bois — morriam
magicamente, sem sofrimento aparente e sem uma gota de sangue. Bastava passar
por baixo do arco de pedra.
Um ritual misterioso
Para as muitas testemunhas dos sacrifícios, não era
apenas a ausência de sangue que chocava. Sempre que um animal era enviado ao
portal, ele era acompanhado por um sacerdote que também passava pelo arco, mas
chegava ao outro lado são e salvo.
Com a nova forma de realizar o ritual, muito mais
limpa e simples do que a anterior, o povo foi à loucura. Aquela, afinal, era
uma demonstração vinda direto dos deuses, que diziam, com todas as letras,
estar satisfeitos com os sacrifícios.
A cerimônia se seguiu assim por anos. Um sacerdote
vinha, acompanhado por uma vaca saudável e passava com ela pelo portal. Quase
instantaneamente, o animal caía no chão, já sem vida, enquanto o homem passava
ileso pelas portas do inferno.
Investigador do passado
Em meados de 2011, desconfiado das histórias da época,
o cientista Hardy Pfanz decidiu explorar o sítio arqueológico de Hierápolis. Na
cidade antiga, percebeu que o terreno da gruta continuava funcionando até
aquele momento. Isto é: caso um pássaro voasse por entre as pedras do arco, ele
logo atingia o chão, inconsciente.
Cada vez mais intrigado pela lenda que agora parecia
verdade, Hardy, que é especialista em vulcões pela Universidade de
Duisburg-Essen, na Alemanha, decidiu analisar o solo de Hierápolis. Assim, ele
descobriu algo inusitado que explicava todas as teorias.
De forma geral, a antiga cidade romana fica localizada
logo acima de uma área de intensa atividade geofísica. Assim, diretamente
abaixo do arco, uma fenda no chão liberava porções constantes de dióxido de
carbono (CO2).
A ciência explica
Durante o dia, segundo o próprio especialista, o
vazamento de CO2 acabava por se dispersar no ar, devido às altas
temperaturas. À noite, no entanto, o gás tóxico formava uma camada letal de 40
centímetros de profundidade ao redor do portão.
Ao anoitecer, inclusive, a concentração da nuvem de CO2 chegava
aos 35%. Assim, um pouco mais baixos que os humanos, os animais inalavam o gás
impiedoso. Tontos pela intoxicação, então, eles mergulhavam o focinho na
piscina letal e morriam em segundos.
Segundo Hardy, os sacerdotes romanos tinham total
conhecimento das horas mais fatais do dia e usavam dessa sabedoria para
sacrificar ainda mais animais. Para eles, no entanto, o CO2 era uma
espécie de “hálito letal dos guardiões do inferno”.