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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

PERSEGUIDO PELO PASSADO: O ATOR QUE MATOU ACIDENTALMENTE O FILHO DE BRUCE LEE

 

Um dos atores mais promissores da década de 1990, Brandon Lee morreu durante as filmagens do filme O Corvo, marcando uma das maiores tragédias de Hollywood.  Durante as gravações de uma cena, o personagem de Lee, Eric, levaria um tiro de uma arma de verdade, que estava equipada com balas de festim (inofensivas). 

O dispositivo que seria utilizado contra Brandon, entretanto, precisou ser carregado com munições reais para que os tiros parecessem verídicos em cenas que não contavam com a presença do artista — e, obviamente, não seriam usadas contra o ator. Porém, a produção se esqueceu de tirar uma das

Na hora de rodar a cena, Michael Massee, um dos antagonistas da trama, responsável por efetuar o disparo fatal no personagem, acabou acertando o abdômen do filho do lendário ator Bruce Lee. Depois do disparo, Brandon não levantou mais, e uma agitação começou a tomar conta do set, e Massee especialmente ficou desesperado.

O ano era 1993, e, poucas horas depois do terrível acidente, Michael — assim como toda a equipe de filmagem — ficou sabendo que o protagonista tinha falecido na mesa de cirurgia. O triste episódio atormentou completamente o ator. Embora soubesse que não tinha culpa, o fato de ter puxado o gatilho e matado um companheiro de trabalho o perseguiria por toda a vida.

Curiosamente, O Corvo diz respeito sobre um homem que volta do mundo dos mortos para vingar a morte de sua amada. Para azar de Massee, justo em um dos seus primeiros papéis para cinema não houve nenhuma intervenção mística, então precisou encarar realidade, e entendeu que somente conseguiria um pouco de paz se mudando de Los Angeles para Nova York.

O filme foi terminado e lançado, alcançando certo sucesso de bilheteria muito por conta de toda a situação trágica que envolveu a produção do mesmo. Michael, porém, nunca conseguiu assistir a produção, mesmo longe do ambiente de filmes sentia culpa pela morte de Brandon.

Durante um ano não procurou outras produções, e se manteve longe dos holofotes para tentar esquecer completamente o episódio. Aparentemente, ele acabou fazendo uma trégua com o passado, e retornou aos cinemas como um policial racista e corrupto no filme Tales from the Hood (1995).

Mais de 10 anos depois do acidente, em uma entrevista dada em 2005, Massee contou que ainda sofria pesadelos com o episódio trágico envolvendo Bruce Lee. Portanto, é razoável imaginar que o trauma o perseguiu até o inevitável fim que encontrou para sua vida.

Em outubro de 2016, Massee foi acometido por um grave câncer no estômago. Com o avanço da doença, sua condição acabou piorando, falecendo pouco tempo depois em 20 de outubro, com apenas 64 anos de idade.



Fonte: AH


terça-feira, 29 de setembro de 2020

VIOLÊNCIA, MITOLOGIA E PEDERASTIA: 5 FATOS SOBRE O SEXO NA GRÉCIA ANTIGA

 

1. Tutores e efebos

Na Grécia, as figuras masculinas de gerações diferentes enxergavam sexo como elemento importante. Os jovens inexperientes (efebos) eram entregues a tutores para que fossem educados e protegidos e, nesse campo, a pederastia (sexo entre homens) tinha um papel: a aproximação entre os dois e a ritualização da entrada do homem na idade adulta e sociedade.

As relações eram realizadas pelo tutor, ativo, chamado de erasta, e o efebo, passivo. Em Atenas, por exemplo, a pederastia era a introdução do garoto à cidadania, em que o ativo, mais velho, ensinava ao jovem com uma relação íntima. Em Esparta, essa técnica também foi usada para proporcionar uma afinidade e uma maior união entre os militares.

2. Violência e dominação

A mitologia grega denuncia uma realidade muito relevante na sexualidade da sociedade. Eram comuns comportamentos afetivo-sexuais marcados pela dominação masculina violenta. Paul Chrytian, historiador da Universidade de Alberta, expõe como a violência é um elemento intrínseco da representação do sexo nos mitos, principalmente na figura mais ativa dela, Zeus. 

Essas representações narrativas traduzem o sexismo da sociedade grega, e a forma como a vontade masculina era soberana. Zeus constantemente afirmava dominação contra mulheres, mas pouco fazia com homens. Isso expõe o elemento central da misoginia, que também costumava representar mulheres como submissas e mentirosas.

3. Liberdade

A Grécia costuma ser representada como um lugar de libertinagem e abertura para diversas atividades sexuais, como orgias, sodomia e masoquismo, mas isso é, essencialmente, uma narrativa forjada pela literatura ocidental para declarar sua origem num espaço de grande liberdade. A realidade é que muitas práticas que, na época, eram consideradas moralmente inapropriadas, eram severamente punidas pela lei. É o caso das orgias.

As relações de intimidade passavam por filtros morais e costumes estabelecidos pela conduta social. Assim, a regulação era ampla. Nessa realidade, o maior alvo era o público feminino, visto como apenas reprodutor (praticamente um acessório). O julgamento contra atos de mulheres repreendidos pela sociedade foram vários. Entre as condutas tidas como obscenas e combatíveis, estava o sexo entre mulheres, ao contrário da pederastia masculina.

4. Sátiros

Uma das figuras mitológicas com maior carga sexual em sua representação eram os sátiros, criaturas híbridas de humano com cabrito, cujo teor erótico era elementar. Suas representações costumavam envolver um pênis ereto, posições sexualmente sugestivas e constantes demonstrações de masturbação, ato difundido entre os gregos.

Essas figuras apareciam nos mitos corriqueiramente fazendo sexo com ninfas nos bosques e campos em que viviam. Na sociedade grega, acreditava-se que os sátiros podiam estar por aí, propensos a cometer estupros e até mesmo necrofilia.

5. Elemento central

O sexo, assim como a fertilidade advinda dessa noção, são elementos entrais da mitologia grega. A união original da Terra (Gaia) com o céu (Urano) era baseada na cópula. Afrodite nasceu do contato de sêmen saído do pênis de Urano com a água.

Isso demonstra como as relações sexuais e o tema da sexualidade era relevante dentro da sociedade e das representações na Grécia Antiga, mesmo depois da laicização da política. O sacerdotismo e os ícones religiosos viviam embebidos de temas eróticos, sendo que a questão não era repreendida, como nas sociedades cristãs, mas incentivada.

Fonte: AH


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

MULHER QUE FOI OFERECIDA 'TEMPORARIAMENTE' PARA CUNHADO QUER ABANDONAR MARIDO

 

Ao se deparar com problemas financeiros, um homem no Zimbábue encontrou uma solução nada comum: ofereceu sua esposa ao viúvo da irmã dela, em troca ele receberia dinheiro, comida e bebida.

Todavia, diante da situação, a mulher gostou tanto do cunhado que não quer mais voltar para o antigo marido. As informações são do Daily Star, que detalhou o caso a partir de uma matéria exibida na TV.

Kabanda ofereceu sua mulher, Tafadzwa Matura, ao ex-marido da irmã dela, Daniel Masikati. A mulher agora pretende deixar o antigo marido, afirmando que o novo é “muito melhor”. Após o episódio, Matura ainda afirma que Anthony não era bom no ato sexual: “não dura mais de um minuto na cama”.

O plano inicial do homem era que Daniel, que estava passando por um momento de luto, tivesse Tafadzwa como acompanhante noturna enquanto pudesse pagar pela comida da família e a escola das crianças do casal.

Inconformado com a situação, Kabanda foi até o chefe de sua aldeia discutindo a possibilidade de Daniel ter usado uma espécie de feitiço para encantar a sua esposa. O líder do grupo, que ainda não tomou sua decisão, deverá escolher o futuro dos casais nos próximos dias.

Fonte: AH


sábado, 26 de setembro de 2020

URINA, FEZES E VÔMITO: OS SACOS DE EXCREMENTOS QUE FORAM DEIXADOS NO ESPAÇO

 

A NASA pretende voltar à órbita lunar a partir de 2024, através do Programa Artêmis. Uma das pesquisas principais do programa é voltar para o espaço para recuperar artefatos deixados por lá durante as missões Apollo.

Sabe-se que, além de deixarem pegadas na superfície, os astronautas também fizeram suas necessidades na Lua, e agora, cerca de 50 anos depois, eles deverão voltar para buscar 96 sacos de excrementos, com o objetivo de descobrir se algo ainda está vivo nos dejetos. 

As fezes humanas são compostas de quase 50% de bactérias, resultando num espaço de ecossistema explorável, podendo existir ali milhares de espécies de micróbios intestinais. Esse lixo humano deixado na Lua durante todo esse tempo pode ser útil para descobrir o quão invulnerável é a vida no espaço lunar, e essa foi a proposta de deixar sacos de excrementos no local.

Programa Apollo da NASA direcionou seis missões tripuladas bem sucedidas para a Lua, onde um total de 12 pessoas puderam caminhar sobre sua superfície. Uma de suas preocupações foi o fato de precisarem arranjar um jeito para que os astronautas pudessem aliviar suas necessidades fisiológicas.

A solução veio em dois projetos: primeiro foi feito o desenvolvimento de uma sacola plástica que se acoplava nas nádegas dos exploradores enquanto estavam dentro das naves espaciais, que conseguia capturar as fezes sem que ela entrasse em contato com o ambiente.

Já em situações onde eles estavam em órbita, livres no espaço, a empresa americana desenvolveu uma "vestimenta de máxima absorção para contenção fecal", como uma espécie de fralda para adultos, e parece que foi desse jeito que eles deixaram sacos com resíduos humanos ali.

O cientista Charlie Duke, da Apollo 16, missão ocorrida no ano de 1972, confirmou que deixou resíduos para trás e ainda deu sua justificativa, dizendo que ele e sua tripulação acreditavam que o lixo desapareceria pela ação da radiação solar.

As chances de que algum micróbio ou bactéria ainda esteja nos sacos de excrementos é pequena. Diversas razões dificultam essa esperança da ciência: primeiro por que a Lua não possui campo magnético contra a radiação cósmica, não existe camada de ozônio para absorver os raios solares, e o vácuo lunar impõe improbabilidades para a vida.

Além disso, a Lua também apresenta intensas mudanças de temperatura, que podem variar entre 100 graus Celsius de dia e -173 ºC à noite. A falta de umidade também é um fator importante, já que as bactérias não conseguem se replicar nessas condições, por isso as bolsas com os excrementos deveriam permanecer úmidas durante todos esses anos, os sacos teriam que estar intactos até hoje.

Andrew Schuerger, cientista de vida espacial da Universidade da Flórida e coautor de um artigo sobre micróbios sobreviventes na Lua, afirma que há uma "pequena probabilidade" de que alguma bactéria tenha sobrevivido. Margaret Race, bióloga do Instituto SETI, também concorda com a possibilidade, "os micróbios não precisam ter muita proteção", disse, "Nós ainda não temos uma definição de vida que diga 'nunca pode ir além dessa temperatura, além dessa salinidade, além desse nível ácido'. Toda vez que olhamos lugares [na Terra], encontramos a vida",

No entanto, a visão do cientista da NASA Mark Lupisella, nos dá esperança. Ele afirma que mesmo que os sacos de resíduos deixados pelos astronautas não tenha sido suficiente para deixar as bactérias ali vivas, o estudo segue válido, pois a ciência ainda pode usar as evidências mortas para descobrir quanto tempo os micróbios conseguiram viver na Lua, se eles evoluíram ou se adaptaram ao ambiente, além da possibilidade de ressuscitar alguns deles.

"A vida simples pode se espalhar pelo cosmos ou precisa esperar bilhões de anos até que existam espécies tecnológicas para espalhá-la? Essa é apenas uma de muitas questões científicas importantes que tentaremos responder quando voltarmos à Lua", disse o cientista planetário Phil Metzger.

Fonte: AH


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

DADOS COMPROVAM QUE NÃO FAZ SENTIDO CULPAR INDÍGENAS PELA ORIGEM DAS QUEIMADAS

 

Em discurso de abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU, Jair Bolsonaro afirmou, por meio de vídeo gravado, que o Brasil foi "vítima" de uma campanha de desinformação contra o governo a respeito das queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Segundo palavras dele, pela grande umidade da floresta amazônica, ela só pegaria fogo 'nos cantos', negando os acontecimentos divulgados pela mídia sobre a gravidade das queimadas.

"Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas", indagou o presidente brasileiro.

O ambientalista Antonio Oviedo, assessor do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), ONG presente na Amazônia há 25 anos, explicou ao G1 que a floresta, apesar de permanecer úmida em algumas regiões, já perdeu parte de suas particularidades originais por conta do desmatamento e da construção de estradas no local. Desse modo, a Amazônia teria se tornado mais propensa a não aguentar grandes incêndios.

"Ela é úmida em áreas como no interior do Rio Solimões ou no alto do Rio Negro, onde não tem muitas estradas, mas mesmo lá o fogo já tem entrado, por conta do desmatamento. Quando se fragmenta a floresta em blocos, vem o efeito de borda. Quanto mais bordas tiver, mais seca fica, e facilita a entrada do fogo”, afirmou Oviedo.

A respeito de quem iniciou as queimadas, dados de satélite monitorados pela Nasa mostraram que 54% dos focos de incêndio na Floresta Amazônica em 2020 foram iniciados por conta do desmatamento.

Além disso, uma pesquisa lançada no mês passado pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, também se opõe às falas do presidente a respeito dos indígenas serem os responsáveis pelas queimadas. De acordo com o estudo divulgado, o desflorestamento do bioma foi considerado menor em áreas indígenas, por conta da proteção dessas terras por parte de seus residentes, que necessitam dos frutos do bioma para sobrevivência.

“Esse aumento não vem dos indígenas. Quando usam o fogo, eles colocam numa área muito pequena, só mesmo para poderem fazer a agricultura”, contou o bispo Dom Wilmar Santin em entrevista ao G1 no ano passado. Ele ainda afirmou com clareza que as terras indígenas do Pará vêm sendo constantemente atacadas pelo garimpo e pelo desmatamento.

O pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Carlos Nobre, também se posicionou sobre o caso em entrevista à BBC News Brasil.

Ele afirma que a maioria dos incêndios na Amazônia não ocorre em áreas já desmatadas e não é provocado por caboclos e índios no objetivo de aumentar suas roças de agricultura. Ele impõe a autoria das queimadas à expansão do agronegócio na região, que apesar dessas ações serem crime ambiental, os garimpeiros, madeireiros e empresários não são julgados pela justiça, e seus crimes são ocultados pelo governo federal.

"É o famoso e tradicional processo de expansão da área de agropecuária. E quase tudo, acima de 80% dessa expansão, é feita por grandes propriedades, não é o pequeno agricultor ou o caboclo ou a roça indígena. O pequeno agricultor e o caboclo usam fogo, todos usam, mas o número de área queimada pela pequena agricultura é relativamente pequeno, A grande maioria é área queimada pela expansão de grandes propriedades", disse Nobre em entrevista.

Fonte: AH


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

REVOLTA DO QUEBRA-QUILOS: A OBRIGATORIEDADE DO USO DO QUILO RESULTOU EM DESAVENÇA E CONFLITOS

 

O quilo, o metro, o litro, medidas sem as quais muita gente hoje não saberia como viver, foram implantadas à custa de muita desavença e conflitos por todo o mundo.

Depois de determinadas por comissões científicas no fim do século 18, as unidades demoraram décadas para serem estabelecidas – ainda hoje ingleses custam a render-se às unidades francesas. Aderir a uma unidade alheia significava deixar a própria cultura de lado – e, quando a mudança se tornou obrigatória, queixas eram quase inevitáveis.

Foi assim em todo o planeta – e pouca gente sabe que no Brasil também. Em 1874, a obrigatoriedade do uso do quilo foi a gota d’água para o “revolta do quebra-quilos”, um movimento que começou na Paraíba, se espalhou por mais três estados do Nordeste e só foi contido pelo envio de tropas federais.

Em 31 de outubro, em Campina Grande, na Paraíba, centenas de pessoas invadiram a feira da cidade protestando contra os novos pesos e medidas. Aos gritos, a massa quebrava os moldes de quilos dos feirantes, que eram fornecidos (vendidos ou alugados) pela administracão municipal.

Os revoltosos invadiram os mercados, coletorias e a Câmara Municipal, destruíram os novos padrões e queimaram os arquivos contábeis do governo. Um panfleto intitulado “Manifesto da Sedição do Quebra-Quilos” apregoava: “É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões”.

Os cordéis ajudaram a convencer a população com suas rimas. Aos poucos, a revolta se alastrou para outras vilas e cidades paraibanas, além dos estados de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Em todos esses lugares, a multidão revoltada tinha a mesma característica: a de buscar nas sedições uma espécie de legitimação para seus costumes, que de repente vinham sendo atacados pelas autoridades.

Uma reação diante da conjuntura da época: para ingressar na via da modernização, o Brasil estava deixando para trás a tradição em que o que vale é o reconhecimento direto e o “apalavrado”. Mas as autoridades não queriam saber.

Quem não utilizasse os novos padrões poderia ser punido com prisão de cinco a dez dias e pagaria multa. Todavia, o clima esquentou por causa do aumento da cobrança de tributos. O país vinha enfrentando uma crise econômica devido à queda das vendas internacionais de açúcar e de algodão.

A crise abrangia principalmente as províncias nordestinas, tradicionalmente açucareiras e cotonicultoras. Para o governo, o aumento de impostos era a solução. Para o povo, porém, os tributos, assim como as novas medidas, ofendiam os costumes e a tradição do país.

Além disso, em tempos de crise, o povo esperava por ajuda, não por cobranças. Como os tributos eram calculados utilizando as novas medidas (quilos, litros e metros), a obrigatoriedade de utilizá-las foi a gota d’água para a revolta.

Agricultores, criadores de gado e comerciantes, os quebra-quilos eram vistos pelas autoridades como um “bando de matutos armados de facas e cacetes”. Como os arruaceiros gritavam frases como “viva a religião e morra a maçonaria”, as acusações de liderança do movimento logo caíram sobre a Igreja Católica, na época às turras com dom Pedro II.

Dois padres chegaram a receber ordem de prisão junto a outros líderes suspeitos. Esses líderes passaram a ser perseguidos no começo de 1875, com o crescimento da revolta. No Rio Grande do Norte, duas pessoas morreram e cinco se feriram depois de um dia de reação das forças imperiais.

As tropas do governo, armadas de baionetas e espingardas, chegaram por mar, a bordo do navio Werneck, vindas do Maranhão para o Rio Grande do Norte. Os cabeças do movimento foram processados e, alguns, obrigados a restabelecer os novos pesos e medidas por eles destruídos nos mercados e feiras, e obrigaram-se a indenizar aos particulares o dano causado nos seus estabelecimentos.

O ato mais ferrenho da repressão foi a aplicação dos chamados “coletes de couro”. Segundo o historiador Armando Souto Maior, “amarrados, os prisioneiros eram em seguida metidos em grosseiros coletes de couro cru; ao ser molhado, o couro encolhia-se, comprimindo o tórax das vítimas, quase asfixiando-as”. O método causou a revolta de muitos comerciantes, mas também medo – à custa do qual a medida do quilo foi finalmente implantada no Nordeste.

Fonte: AH


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

NASCE A TV BRASILEIRA: HÁ 70 ANOS, ACONTECIA A ESTREIA DA TV TUPI

 

Numa visita aos escritórios da Radio Corporation of America (RCA Victor), em Nova York, em 1944, o jornalista e empresário Francisco de Assis Chateaubriand se deteve, intrigado, diante de um estranho equipamento. Nunca havia visto nada parecido em três décadas à frente dos Diários e Emissoras Associados, então o maior grupo de comunicação do Brasil.

No salão onde eram expostas as novidades tecnológicas do setor, ele perguntou ao presidente da empresa, David Sarnoff, o que era aquilo. "É uma câmera de televisão. Falo de imagem eletrônica." Na época, apenas Estados Unidos, Inglaterra e França tinham emissoras de TV. Imediatamente, Chatô, como era apelidado, quis encomendar os equipamentos para formar a dele.

"No Brasil? Isso não vai funcionar. Por que não investe em novos recursos para as suas rádios?", afirmou Sarnoff. A descrença do americano só serviu para motivar ainda mais o jornalista. Cinco anos depois, nas instalações da Rádio Difusora de São Paulo, no bairro paulistano do Sumaré, Chatô tirou giz e trena do bolso e definiu as áreas que seriam reformadas para abrigar a primeira emissora do Brasil (e, por pouco, não da América Latina - a XHTV do México estreou um mês antes).

A TV Tupi já tinha o nome nativista. Chateaubriand se dizia admirador dos habitantes originais do Brasil. O passo seguinte foi organizar a equipe. A maioria dos artistas veio do rádio e de grupos teatrais. Sem poder gravar e editar as apresentações (o videoteipe seria implantado uma década mais tarde), no início, a televisão emprestaria do teatro a dinâmica do trabalho ao vivo com muita improvisação.

A migração de profissionais foi um movimento natural. "Meu contrato especificava que eu era apresentadora da rádio. Quando surgiu a televisão, pegamos o papel e anotamos por cima - e também da TV Tupi", afirma Vida Alves, atriz, redatora e diretora. Com ela, despontaram outros entusiastas da nova mídia. Eram roteiristas e diretores, como Walter George Durst, Walter Foster e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. "Ganhamos um brinquedo e começamos a brincar", dizia o radialista Cassiano Gabus Mendes. Aos 23 anos, ele foi contratado como diretor artístico da emissora e comandou a esperada estreia.

A expectativa era tão grande que ninguém pensou em um detalhe. Algumas semanas antes da inauguração, marcada para 18 de setembro de 1950, o engenheiro Walther Obermüller, diretor da rede americana NBC, veio ao Brasil para acompanhar os acertos finais do projeto. Logo quis saber qual era a quantidade de aparelhos de televisão vendidos para estimar a audiência potencial - a transmissão podia alcançar até 100 km a partir de São Paulo.

Atônito, viu a equipe técnica se entreolhar assustada: não é que ninguém havia pensado nisso ainda? "Doutor Assis, o senhor está investindo 5 milhões de dólares na TV Tupi (equivalentes a mais 80 milhões de dólares atuais) e sabe quantas pessoas vão assistir à sua programação a partir do dia 18? Zero. Sim: zero, ninguém", disse o engenheiro ao jornalista, segundo Fernando Morais escreveu em Chatô - O Rei do Brasil. No ato, Chatô quis importar os aparelhos dos EUA. Mesmo em caráter de urgência, os trâmites burocráticos permitiriam que a carga chegasse à cidade só dali a dois meses. Sem se dar por vencido, recorreu ao contrabando para trazer 200 receptores.

E amanhã, companheiros?

Após a cerimônia de estreia, transcorrida na data marcada, produtores e artistas foram comemorar na Cantina do Romeu, na rua Pamplona. A certa altura dos brindes, Gabus Mendes comentou com os colegas:"E amanhã? Não temos nada para colocar no ar amanhã!" A receita da equipe era, definitivamente, pioneirismo e improvisação.

Havia um consenso de que a TV Tupi não possuía funcionários, mas era formada por "companheiros", crença que levava todos a driblar a limitação de dinheiro, a tecnologia incipiente e a inexperiência diante do novo veículo. Uma das primeiras tarefas que tiveram de aprender foi criar e produzir atrações que preenchessem o período das 20 às 23 horas, faixa em que a emissora permanecia no ar em seus primeiros tempos de vida.

Os grandes sucessos não tardaram a chegar. Estão entre eles o humorístico Rancho Alegre, com Mazzaroppi, o Grande Teatro Tupi, de peças televisionadas, o jornalístico Repórter Esso, "testemunha ocular da história", O Céu É o Limite, programa de perguntas e respostas comandado por Aurélio Campos, autor do bordão "Absolutamente certo!", e a TV de Vanguarda, celeiro de atores e diretores (uma série de adaptações de textos clássicos dos mais variados, de Guimarães Rosa a Shakespeare).

Quase balzaquiana

"Onde houver um receptor de TV, há sempre presente a imagem de um canal Associado" era o slogan da TV Tupi nos anos 1960. Após o debut, as emissoras do grupo se espalharam pelo país. A televisão passou a integrar a vida nacional e atrair anunciantes. Alguns anos antes de morrer, em 1968, Chatô optou por dar continuidade aos Diários e Emissoras Associadas por meio de um "condomínio" de administradores: 22 pessoas.

As finanças do grupo, que já não iam bem, pioraram. Aos poucos, profissionais e patrocinadores migraram para a concorrência - TV Record (inaugurada em 1953), Globo (1965) e Bandeirantes (1967). Ao longo dos anos 1970, na tela da Tupi ainda brilharam novelas como A Viagem (1976). Em 1980, os atrasos salariais motivaram uma greve de 2 mil funcionários. Não à toa, a trama Como Salvar Meu Casamento era chamada internamente de "Como Salvar Meu Pagamento".

Com a crise, o governo Figueiredo não renovou a concessão e, em 18 de julho de 1980, antes dos 30 anos, a Tupi saiu do ar. Equipamentos foram desmontados e lacrados, em meio ao choro de antigos funcionários. Parte das emissoras da rede foi dividida entre os grupos Sílvio Santos, que criou a TVS (depois SBT), em 1981, e Bloch Editores, que fundou a Rede Manchete, em 1983.

As novelas sugiram na sequência, como uma tentativa do diretor Walter Foster de cativar o público feminino. A primeira, Sua Vida Me Pertence (1951), ensaiava um trio amoroso, com o próprio diretor como galã, a atriz Lia de Aguiar no papel da mocinha e Vida Alves interpretando a "outra". Os personagens de Foster e Vida Alves ficariam juntos ao fim da trama, união selada pelo primeiro beijo da televisão nacional. "A novela precisava ter um plus, e foi aí que Foster surgiu com a ideia do beijo. Eu precisei falar com meu marido. Já o Foster ficou com uma tarefa mais difícil: convencer toda a diretoria da emissora", afirma Vida.

Bom, mas havia programas mais comportados também. Em 1952, Gabus Mendes decidiu apostar no público infanto-juvenil e procurou o Teatro Escola de São Paulo, dirigido pelo psiquiatra e educador Júlio Gouveia e por sua mulher, Tatiana Belinky. A dupla começou com Fábulas Animadas, um enorme sucesso de montagem de histórias da literatura universal.

Depois, o público exigiu um programa de prosas brasileiras, ao que a dupla atendeu com uma encenação de O Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Ao término da primeira apresentação, os telefones da emissora não paravam de tocar - todos queriam saber quais seriam os capítulos seguintes. Por 13 anos, O Sítio permaneceu no ar na TV Tupi. "Eu escrevia os roteiros e o Júlio dirigia. Escrevia de madrugada porque nos ocupávamos o dia inteiro. Mas era trabalhar entre aspas porque não nos cansávamos: vivíamos uma época de gente agitada, curiosa, que amava o que fazia", diz Tatiana, autora de obras infanto-juvenis do Brasil.

Assim, a emissora indicou caminhos para a produção televisiva brasileira. A rede de Chatô inaugurou também as transmissões em cores no país, a partir de 1972. "Muito da história da TV Tupi é o pioneirismo, movido pelo espírito aventureiro de Assis Chateaubriand. Mas o veículo ganhou corpo bem mais tarde, com a popularização dos aparelhos", diz o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP. "A televisão brasileira é uma das que mais exibem, produzem e exportam programas no mundo. E existe muito conteúdo de qualidade nesse meio."

Fonte: AH


terça-feira, 15 de setembro de 2020

BANZO: A DEPRESSÃO E O SUICÍDIO DE ESCRAVIZADOS ERAM FATOS CORRIQUEIROS

 

"Apareceu ontem enforcado com um baraço [corda de fios de linho], dentro de um alçapão, na casa da rua da Alfândega, nº 376, sobrado, o preto Dionysio, escravo de D. Olimpya Theodora de Souza, moradora na mesma casa. O infeliz preto, querendo sem dúvida apressar a morte, fizera com uma thesoura pequenos ferimentos no braço...”

Essa nota, chocante, publicada no Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1872, revela uma faceta pouco conhecida da escravidão: os escravos se suicidavam. E com o índice de “mortes voluntárias” entre eles, quando comparado ao de homens livres, era duas ou três vezes mais elevado.

Os suicídios de escravos também se diferenciavam em outros aspectos. O mais notável deles era o fato de atribuir-se o gesto ao banzo. Ainda hoje se discute o significado dessa palavra. O mais aceito tem uma remota origem africana, equivalendo a “pensar” ou “meditar”. O termo também, há tempos, designou uma doença.

Em 1799, por exemplo, Luiz António de Oliveira Mendes apresentou, na Academia Real de Ciências de Lisboa, um estudo sobre “as doenças agudas e crônicas que mais frequentemente acometem os pretos recém-tirados da África”. O banzo constava entre elas.

Os sintomas? Os escravos ficavam entristecidos, paravam de falar e, acima de tudo, deixavam de se alimentar, mesmo “oferecendo-se-lhes” – afirma o médico – “as melhores comidas, assim do nosso trato e costume, como as do seu país...”, falecendo pouco tempo depois.

No século 19, com o desenvolvimento das primeiras teorias psicológicas, o comportamento dos escravos banzeiros foi reconhecido como distúrbio mental. Em 1844, Joaquim Manoel de Macedo, na tese médica intitulada Considerações Sobre a Nostalgia, afirma o seguinte: “[...] estamos convencidos de que a espantosa mortandade que entre nós se observa nos africanos, principalmente nos recém-chegados, bem como de que o número de suicídios que entre eles se conta, tem seu tanto de dívida a nostalgia [...]” 

Aos poucos, a associação entre nostalgia e banzo se tornou popular. No Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de 1875, de Joaquim de Macedo Soares, é possível ler a seguinte definição: “banzar: estar pensativo sobre qualquer caso; triste sem saber de quê; sofrer do spleen dos ingleses; tristeza e apatia simultânea; sofrer de nostalgia, como os negros da Costa quando vinham para cá, e ainda depois de cá estarem”.

Hoje, a palavra “nostalgia”, difundida na literatura, é sinônimo de “saudade”, um sentimento. Situação bem diferente é pensá-la como doença. Tal rótulo – assim como o de banzo – provavelmente encobria uma vasta gama de problemas psicológicos ou psiquiátricos, que iam da depressão à esquizofrenia; ou eram provocados pela desnutrição, por doenças contagiosas.

Não faltam exemplos de aproximações entre suicídio e doença mental. O citado Jornal do Commercio registra ocorrências de mortes voluntárias associadas a delírios: “Valentim, escravo de Faria & Miranda, estabelecidos na rua dos Lázaros nº 26, sofria há dias violenta febre, e era tratado pelo Dr. Antonio Rodrigues de Oliveira. Anteontem [20 de maio de 1872], às 9 horas da noite, ao que parece, em um acesso mais forte, Valentim feriu-se com um golpe no pescoço”.

Outras vezes se reconhecia explicitamente a loucura: “Suicidouse ontem [8 de março de 1872] à 1 hora da tarde, enforcando-se, a preta africana Justina, de 50 anos, escrava de Narciso da Silva Galharno. O Sr. 2º Delegado tomou conhecimento do fato e procedeu a corpo delito. Consta que a preta sofria de alienação mental”.

Como todos os testemunhos do passado, os textos acima devem ser lidos com olhos críticos: o registro de suicídio pode encobrir assassinatos praticados por senhores. Tal fato não implica em diminuir o banzo como uma das expressões trágicas da loucura comum a milhões de pessoas vítimas do tráfico de escravos.

Por outro lado, a divulgação desse sofrimento nos jornais deve ter contribuído para a formação da sensibilidade abolicionista na sociedade imperial. Por isso, o banzo pode ser entendido como uma forma não intencional de protesto político, um exemplo primário de luta pela não-violência.

Fonte: AH


segunda-feira, 14 de setembro de 2020

IGREJA NO ABISMO: CRISTIANISMO RESISTE EM TEMPLO MILENAR QUASE INACESSÍVEL

 

O Reino de Axum surgiu no primeiro século da nossa era no território que corresponde hoje ao norte da Etiópia e à Eritreia, beijando o Mar Vermelho. Cerca de 400 anos mais tarde, um grupo de missionários, vindos da Síria, Constantinopla, Anatólia e até de Roma, foi fundamental para que o cristianismo fincasse os pés naquela região.

Um desses missionários, que passaram à eternidade como os Nove Santos, era Abuna Yemata (ou Abba Yem'ata). A igrejinha dedicada a ele em Tigré, berço da civilização etíope, não é uma igreja comum. Ela consegue a proeza de ter seus mil quatrocentos e tantos anos de existência e isso não ser sua característica mais marcante. Abuna Yemata Guh é, possivelmente, a igreja mais inacessível do planeta.

A Etiópia tem diversas igrejas escavadas em rocha. As 11 de Lalibela, patrimônio da humanidade, foram esculpidas há mais de 700 anos e atraem peregrinos até hoje. São as mais famosas do país.

Já Abuna Yemata Guh não é tão impressionante em termos arquitetônicos. O que a torna tão especial é justamente a dificuldade de se chegar lá.

Fiéis, aventureiros e fiéis/aventureiros devem cruzar uma ponte de pedra a 250 m de altura, depois uma ponte de madeira estreita, seguida de uma caminhada extenuante até chegar a uma rocha vertical. Após escalar a pedra, é preciso atravessar uma saliência de 50 cm de largura sobre um precipício de 300 m. Tudo isso a uma altitude de 2.580 m, sem uso de equipamento. E descalço, como a tradição local cristã manda.

A vista compensa, mas não é só ela. A baixa umidade do ar preservou os afrescos do interior do templo. Representando os Nove Santos, além dos apóstolos, as pinturas são um exemplo de arte cristã primitiva.

A igreja se sustenta em pilares de arenito resultantes do processo de erosão que aconteceu nos tempos de Gondwana, explica Frances M. Williams no livro Understanding Ethiopia: Geology and Scenery.

Esse megacontinente surgiu há uns 540 milhões de anos, juntando América do Sul, África e grande elenco. Depois, há 420 milhões de anos, com os movimentos do megazord continental, uma grande cadeia de montanhas começou a se esfarelar com a ação do vento, da água e do gelo. Rios daquilo que hoje chamamos de Etiópia, que ficava bem no meio dessa antiga cordilheira, levaram os sedimentos para o futuro Sudão e também para a Arábia e a Índia, que depois se separariam de Gondwana, formando o mapa que conhecemos hoje.

CRISTIANISMO NAS ALTURAS

As montanhas etíopes mostraram-se ideais para divulgadores e praticantes dessa nova religião poderem se proteger de inimigos e perseguidores. Deu certo, e o cristianismo vingou na Etiópia.

Enquanto muitos vizinhos se convertiam ao islamismo, o país desenvolveu seu próprio ramo cristão, a Igreja Ortodoxa Etíope. Com cerca de 50 milhões de fiéis, ela faz parte do grupo das igrejas ortodoxas orientais, assim como os coptas e os armênios, entre outros. Ainda no século 5, por terem visões distintas sobre a natureza de Cristo, essas igrejas se separaram dos católicos e ortodoxos europeus.

Nos últimos anos, ONGs vêm denunciando a perseguição a cristãos em algumas áreas do país. No entanto, hoje, o grande foco de tensão da Etiópia é entre os seus dois maiores grupos étnicos, os oromos e os amarás. Desde que o músico e ativista Haacaaluu Hundeessaa, jovem e proeminente ídolo oromo, foi assassinado, no fim de junho, a Etiópia tem vivido ondas de violência brutais.

A origem da rixa não está na religião, mas nas visões conflitantes de país: de um lado os pan-etíopes, de outro os nacionalistas étnicos. Porém, como muitas vezes em contextos do tipo, qualquer diferença é desculpa para treta. Houve casos de ataques entre cristãos e muçulmanos até mesmo dentro da comunidade oromo, segundo a revista etíope Addis Standard.

Diferentemente dos amarás, que em sua maioria são cristãos ortodoxos etíopes, os oromos são um caldeirão de sunitas, ortodoxos e seguidores de religiões tradicionais africanas. O próprio primeiro-ministro etíope, o oromo Abiy Ahmed, é protestante, filho de pai muçulmano e mãe ortodoxa.

O carismático Ahmed chamou a atenção do mundo ao soltar presos políticos e montar um gabinete dividido meio a meio entre homens e mulheres. No ano passado, ganhou o Nobel da Paz ao assinar um acordo com a Eritreia, país que conquistou a independência da Etiópia em 1993, gerando uma nova e conflituosa fronteira no Chifre da África.

Mesquitas e igrejas têm servido de abrigo para as vítimas da onda de violência atual. Uma realidade bem distante da vivida em Abuna Yemata. Em 2018, a BBC exibiu a história do padre Haylesilassie Kahsay. Sua rotina era a seguinte: acordar de madrugada, trabalhar até as 6h, comer, caminhar por duas horas e, aí então, iniciar o processo de subida para a igreja, daquele mesmo jeito que descrevi há alguns parágrafos.

Talvez a fé não mova montanhas, só as placas tectônicas, as mesmas que fizeram e desfizeram Gondwana. Mas que montanhas inspiram a fé, isso 15 séculos de história etíope estão aí para mostrar.

Fonte: UOL


sábado, 12 de setembro de 2020

HOMEM É PRESO APÓS ARRASTAR CRÂNIOS HUMANOS NAS RUAS DE BELO HORIZONTE

 

Uma cena bizarra foi presenciada por diversos cidadãos do bairro da Saudade, em Belo Horizonte, na última quarta-feira, 9; um homem de 43 anos — cuja a identidade não foi revelada pelas autoridades — foi visto passeando pelas ruas da capital mineira com quatro crânios humanos durante a manhã, os puxando por uma corda como se fossem cachorros.

Amparados em uma corda de varal azul, o rapaz foi denunciado por diversos moradores que, assustados, viram o homem caminhar calmamente em plena luz do dia com os restos mortais. Detido pela Polícia Militar, o homem afirmou que roubou os crânios do Cemitério as Saudade durante a madrugada.

Consultados pelos militares, funcionários do cemitério confirmaram a ausência dos cadáveres e afirmaram ter visto o homem pulando o muro do local, mas não interromperam a ação. De acordo com o Diário Online, uma moradora alega que o homem já havia realizado outros ataques relacionados a cadáveres anteriormente.

De acordo com a mulher, que não quis se identificar, o homem chegou a depositar um bebê morto em frente a uma das casas do bairro. De acordo com a Polícia Militar, o suspeito já havia sido preso em 2014 e 2018, mas não revelou quais foram os crimes cometidos. O homem foi preso em flagrante e está à disposição da justiça.

Fonte: AH


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

MICHELLE PHILPOTS, A MULHER QUE PERDE A MEMÓRIA TODOS OS DIAS

 

Um dos clássicos da Sessão da Tarde, o filme Como se fosse a Primeira Vez (2004) conta a saga de uma jovem que perde a memória todos os dias, esquecendo-se de tudo sobre a sua vida. Enquanto isso, seu companheiro se empenha em reconquistá-la, fazendo ela se apaixonar ao final da tarde. A narrativa, digna de uma obra cinematográfica, foi, na verdade, inspirada em uma história real.

Bem longe dos estúdios de Hollywood, Michelle Philpots experimenta na pele o que Drew Barrymore popularizou nas telonas. A mulher, que reside no Reino Unido ainda acredita que está vivendo no ano de 1994, quando um acidente

Michelle, que mora na cidade de Spalding Lincolnshire, foi diagnosticada com epilepsia ainda muito jovem. Ela sofreu um acidente de moto em 1985, mas saiu com poucos ferimentos; foi em, 1990, após uma grave batida de carro que sua vida se transformou completamente.

Nos primeiros anos ela se esquecia de coisas aleatórias, algo que poderia acontecer com qualquer pessoa. Mas após ser demitida de seu emprego, sua memória sofreu um declínio drástico. Seu cérebro de repente parou. A fazendo acreditar que ainda esteja em 1994, com 30 anos de idade.

Todos os dias ela acorda e o dia parece o mesmo, Philpots se esquece de tudo que viveu, até mesmo de seu casamento com Ian, que aconteceu em 1997. “É como viver no mesmo dia, todos os dias”, contou a britânica em uma entrevista ao The Daily Telegraph, em 2010.

Seu marido é uma peça fundamental para ajuda-la a lembrar de coisas importantes, como grandes momentos de seu passado e pessoas que ela ama. Michelle ainda consegue se lembrar de poucas coisas que aconteceram antes do acidente, então, ela reconhece o rosto de seu parceiro, mas o casamento e seus momentos juntos foram apagados de sua mente. Ela se lembra do bairro onde mora, porém, não pode ir muito longe, pois, não saberia como voltar.

Para guia-la em sua jornada diária de reencontro com si mesma, ela organizou pequenas notas e um conjunto de fotografias, que ela visita todos os dias pelas últimas duas décadas. Diferente do filme, em que Lucy perde a memória a cada 24 horas, Philpots tende a se esquecer das coisas em um prazo mais curto; ela pode não se lembrar do que estava fazendo na última hora ou, até mesmo, nos últimos minutos.

“É razoavelmente raro, mas existe. Você é capaz de fazer coisas do dia a dia e não se esquece de fazer certas coisas, como falar. Mas se alguém perguntasse o que você fez ontem, você não teria a menor ideia”, explicou o Dr. Peter Nestor, especialista em neurociência da Universidade de Cambridge, em entrevista ao Daily Mail, no ano de 2010.

Apesar de um final feliz a cada anoitecer, com Michelle se apaixonando pelo amado tantas vezes que já perdeu a conta, a vida não é como em um filme. Existem momentos difíceis e nem tudo é romance. Sobre seu cansativo despertar, a britânica lamenta: “Minha memória se foi e não há como ela voltar”.

Fonte: AH


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

PESQUISADORES DESCOBREM IMPRESSIONANTES SARCÓFAGOS INTACTOS APÓS 2,5 MIL ANOS

 

Uma equipe de arqueologia localizou ao menos 13 sarcófagos, confeccionados em madeira e datados em 2,5 mil anos atrás, em um caminho alternativo escondido na necrópole do deserto de sacará, no Egito. De acordo com o Science Alert, a surpresa não partiu da descoberta dos ornamentos funerários, mas do estado de conservação do local.

A região, conhecida pelo encontro de sarcófagos, raramente possuem túmulos preservados, visto que a decomposição no clima quente desfavorece as características originais do ornamento. A nova descoberta, entretanto, estava intacta depois de milênio, além de estar completamente selada.

De acordo com o Ministério do Turismo e Antiguidades do Egito, os ornamentos foram localizados empilhados em uma cova com 11 metros de profundidade. Além dos túmulos, outros itens que acompanhavam os sarcófagos, como as pinturas na madeira, estavam extremamente bem preservados.

A análise dos pesquisadores concluiu que, desde que foram enterrados, permaneceram selados sem intervenções humanas. Outros três nichos selados foram encontrados pela equipe e serão posteriormente analisados para compreender os antigos costumes funerários egípcios.

Fonte: AH


terça-feira, 8 de setembro de 2020

SÃO LUÍS DO MARANHÃO – 408 ANOS

 

Fundada no local de uma aldeia indígena, São Luís guarda até hoje um pouco da história do Brasil em seus enormes casarões que refletiam o sonho francês de estabelecer uma “França” nos trópicos (a “França Equinocial”).

Em 1535, quando da divisão do Brasil em capitanias hereditárias, a região de São Luís foi dada pela Coroa a João de Barros, tesoureiro. Na época ele fundou a cidade de Nazaré,que os historiadores estimam ser no mesmo local da atual São Luís. Porém, o local era habitado pelos índios tubinambás da aldeia Upaon-Açu que deram um pouco de dor de cabeça aos invasores.

Os cerca de 400 índios resistiram à ocupação portuguesa e Nazaré acabou sendo abandonada. Outro fator que levou ao abandono de Nazaré foi a dificuldade de acesso.

Mas, em 1612, o francês Daniel La Touche, que era conhecido como Senhor de La Ravardiére, comandou uma missão para fundar a “França Equinocial” na região. E desta vez deu certo. Os índios acabaram se aliando aos franceses e, inclusive, ajudando-os a resistir às primeiras tentativas portuguesa de retomar o local.

Porém, em 1615 os portugueses conseguem expulsar os franceses acabando com o sonho da frança tropical, quando Alexandre de Moura recolocou a região sob domínio português. Mas os franceses deixaram mais do que lembranças: o nome de São Luís, dado em homenagem ao rei francês Luís XIII, foi mantido pelos portugueses.

Em 1620 dos açorianos chegaram a São Luís e levaram consigo as técnicas para cultivo da cana-de-açúcar e da confecção da aguardente que, até a chegada dos holandeses comandados por Maurício de Nassau, em 1641, seria as únicas atividades da região. Mas, em 1644 os holandeses são expulsos e a Coroa resolve criar o Estado do Maranhão e Grão-Pará com o intuito de coibir as invasões ao local.

Em 1682 a criação da Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, e as plantações de cana-de-açúcar, cacau e tabaco para exportação alavancam a economia da região. Porém, vários conflitos internos quanto aos impostos e aos modelos de produção levam à Revolta de Beckman. Um conflito de elites que foi o primeiro movimento de insurreição a acontecer na colônia.

Com a Guerra de Secessão nos EUA, os maranhenses veem ali uma forma de aumentar suas exportações de algodão para a Inglaterra propiciando a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará gerando grande desenvolvimento da cidade e dos seus portos.

Ainda no século XVII, são realizadas obras de canalização na cidade e a construção de fontes. São Luís cresce como nunca e chega a ocupar o lugar de terceira cidade mais populosa do Brasil atrás apenas de Rio de Janeiro e Salvador.

São várias as manifestações culturais da cidade que guarda a terceira maior população negra do país. Descendentes dos escravos que vieram da África, a cultura mantida pelos ludovicenses reflete as tradições e costumes trazidos por eles e que aos poucos se misturou com a cultura francesa, portuguesa, holandesa e de tantas quantas foram as bandeiras a aportar por àquelas terras.

A Festa do Divino, o Bumba-meu-boi, os belíssimos azulejos e toda a arquitetura da cidade com seus casarões, palácios, teatros e conventos, garantiram a cidade o título de Capital Brasileira da Cultura de 2009.

 

Fontes
http://www.cidadeshistoricas.art.br


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

HÁ 198 ANOS, DOM PEDRO I DECLARAVA A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

 

Perto das 16h30 de 7 de setembro de 1822, um rapaz de 23 anos alcançava o alto de uma colina ao lado do riacho Ipiranga, nos arredores da vila de São Paulo, seguido de alguns acompanhantes. Era o príncipe regente dom Pedro, montado numa mula, coberto de poeira e com as botas sujas de lama. A viagem fora mais uma vez interrompida pela diarreia incômoda que o perseguia desde a partida de Santos, antes do amanhecer.

O alferes Francisco de Castro Canto e Melo, que vinha de São Paulo com notícias dramáticas, alcançou a comitiva, prestes a retomar o curso. Antes que ele desse seu recado, porém, chegaram a galope dois mensageiros do Rio de Janeiro. Traziam cartas de José Bonifácio de Andrada e Silva, da princesa Leopoldina e do cônsul britânico na capital, Henry de Chamberlain.

O sucessor do trono português não podia esperar novidade pior. Lisboa havia cassado sua regência sobre a colônia e anulava suas decisões anteriores. Um membro da comitiva, o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, relataria quatro anos depois o que viu naquela tarde: "Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou das minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e os deixou na relva. Caminhou alguns passos, silenciosamente. De repente, estancou já no meio da estrada, dizendo-me: ‘As cortes me perseguem, chamam-me de rapazinho, de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal’". Minutos depois, diante da guarda de honra que o esperava mais à frente, desembainhou a espada para determinar: "Será nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte!", descreveu o chefe da guarda, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo.

Poucos meses depois, nas principais cidades do novo país, muitos homens começaram a mudar alguns de seus hábitos. O deputado baiano Cipriano Barata, por exemplo, passou a se vestir exclusivamente de algodão brasileiro e a usar chapéus feitos de palha de carnaúba - no que foi rapidamente imitado. Os nacionalistas mais empolgados penteavam o cabelo de forma a deixar uma risca definida no meio da cabeça.

Era a chamada estrada da liberdade, uma forma de simbolizar os caminhos abertos pela Independência. O uso do cavanhaque, incomum entre os portugueses, também foi adotado para marcar diferença. De uma hora para outra, pegava mal fumar os adorados charutos cubanos - era obrigatório valorizar o produto nacional. Cachimbo, nem pensar, pois tornou-se símbolo dos exploradores europeus. Exagero? Muitas famílias trocaram seus sobrenomes de batismo por expressões indígenas.

Um ramo da família Galvão, de Pernambuco, passaria a se chamar Carapeba. O jornalista, advogado e político negro Francisco Gomes Brandão, um dos fundadores da Ordem dos Advogados do Brasil, adotou o nome Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (homenagem também aos astecas).

Os modismos foram só a vitrine mais singela das transformações na vida nacional - iniciadas, é verdade, em 1808, após o desembarque da família real. A terra pela qual dom Pedro se apaixonou a ponto de romper com Portugal, reagiu com empolgação à sensação de autonomia. Quando deixou o Rio de Janeiro, em 1831, o soberano havia legado uma nação ainda turbulenta politicamente, mas já estabelecida como Império do Brasil.

O cenário que encontrou às vésperas do Grito do Ipiranga, escreve Laurentino Gomes em 1822, indicava que o país "tinha tudo para dar errado: de cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Era uma população pobre e carente de tudo. O medo de uma rebelião escrava pairava como um pesadelo sobre a minoria branca. Os analfabetos somavam mais de 90% dos habitantes".

Em importantes cidades, a novidade significou a realização literal do lema Independência ou Morte. Nas ruas, defensores do Brasil e de Portugal se estranhavam e, não raro, discutiam e se agrediam. Em alguns lugares, era preciso ter coragem para aderir à onda do cavanhaque. Em Salvador, em 1824, um padre se recusou a prosseguir com o cortejo fúnebre enquanto o defunto não fosse barbeado. Bahia, Piauí e outras províncias pegaram em armas para garantir a autonomia brasileira e a unidade do território nacional - desfecho diferente do que ocorreu nas colônias vizinhas, que acabaram fragmentadas.

A adesão ao comando do imperador, porém, não foi automática em todas as regiões. Rachas provincianos somavam-se à luta com os portugueses. Somente Rio, São Paulo e Minas Gerais aceitaram de pronto as ordens de dom Pedro. Esse processo foi mais lento sobretudo no Norte, no Nordeste e no Sul. A Guerra da Independência, iniciada em fevereiro de 1822, durou 21 meses e matou de 2 a 3 mil pessoas. "Em 1825, o governo brasileiro sequestrou os bens de portugueses que ainda contestavam a independência no Rio, na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão e no Grão-Pará. E os intimou a deixar o país", diz Isabel Lustosa, historiadora ligada à Fundação Casa de Rui Barbosa.

O confronto acabou de afundar as finanças quase falidas do novo governo, limitando investimentos urgentes e gerando inflação. Entre 1825 e 28, ela dobrou. Só a dívida externa superava 1 bilhão de reais em valores atualizados.

A infraestrutura das províncias mais afastadas da capital não tinha mudado muito desde a chegada de dom João. Ainda se dormia em redes e esteiras, se comia com a mão e se andava em ruas escuras e estreitas - mesmo no Rio de Janeiro, a iluminação a gás só estrearia em 1860. Mas as diferentes regiões já tinham mais contato com os acontecimentos no centro de poder. Dom Pedro I continuou a abrir estradas, que passaram a ligar a Bahia a Pernambuco, Minas Gerais a Goiás, o Grão-Pará ao Maranhão.

Nas maiores cidades, uma nova classe de trabalhadores se desdobrava com mais de uma ocupação, algo inédito depois de três séculos de controle estrito das atividades profissionais e das fontes de renda dos súditos de Lisboa. Barbeiros eram músicos nas horas vagas, pedreiros cortavam cana, advogados mantinham lojas, médicos davam aulas.

As mulheres também se viravam bem. Cozinhavam e costuravam para a família e ainda vendiam nas ruas quitutes, toalhas e roupas com a ajuda de um ou dois escravos. "A Independência dá um novo dinamismo às províncias. As pessoas tem uma grande mobilidade social, econômica e cultural. Escravos e livres se movimentam muito e exercem atividades econômicas variadas.

Surgiu uma primeira geração de ex-escravos livres. E eles, em especial as mulheres, ganharam um grande poder com a possibilidade de se casar com brancos e com a liberdade para exercer diversas atividades econômicas simultâneas", diz Eduardo Franco Paiva, historiador e professor da UFMG. "Por outro lado, a chegada de escravos, que continuavam sendo vendidos em grandes quantidades no Brasil, manteve um grande intercâmbio cultural com a África. Também havia contato com estrangeiros de outros lugares."

Apesar da grande desigualdade social, a miséria e a fome não eram tão comuns - diferentemente do que acontecia sobretudo no interior em tempos de seca, como a que assolou o sertão nordestino em 1825 e levou à primeira grande onda migratória interna. No Sudeste, as indústrias incipientes ganharam fôlego - especialmente fábricas de barcos, pólvora e tecidos. A produção de algodão, café e gado ocupava cada vez mais espaço, em detrimento do açúcar e da mineração. Mas as transformações mais radicais aconteceram mesmo na sede do Império: o Rio de Janeiro.

Sob o impacto dos 13 anos de estadia da corte, tudo mudou na cidade. A população saltou de 43 mil habitantes, em 1799, para 79 mil, em 1821 (ou 110 mil com a área rural). A capital já tinha uma primeira geração de médicos formados no Brasil, nas faculdades de medicina do Rio e de Salvador. Em uma época de condições sanitárias precárias, cujo sistema de esgoto consistia em grandes latões de dejetos carregados por escravos, esses doutores começavam a substituir os barbeiros com suas sanguessugas.

Era uma forma de reduzir a mortalidade em geral, o impacto das mortes no parto e, principalmente, das febres de março, que faziam diversas vítimas todos os anos. "Sistematicamente, as mortes eram bem superiores aos nascimentos. A cidade crescia graças apenas às migrações de pessoas que para lá eram atraídas. Mas, no geral, a população foi sendo beneficiada por todas as mudanças", diz Maria Luiza Marcilio, professora da USP.

Havia um afluxo grande de estrangeiros. Em 1818, os suíços formaram a primeira colônia de imigrantes não portugueses em Nova Friburgo. Apesar da falência em 1821, o Banco do Brasil já havia ajudado a alterar a economia da cidade, que, até a década de 1810, vivia basicamente do escambo.

O porto do Rio concentrava a metade do comércio exterior nacional, sobretudo embarcando café (que, em 1840 somava quase 50% de toda a pauta de exportações) e importando produtos ingleses inéditos por aqui, de tecidos a lampiões. As pessoas rapidamente se acostumaram a se vestir mais de acordo com a moda europeia (mesmo escravos adotaram ternos, mas não podiam calçar sapatos.

Os pés descalços denunciavam sua condição). A língua francesa se tornava mais comum. No começo dos anos 1830, a rua do Ouvidor já estava tomada por lojas francófonas.

Faltaram soldados nativos para as lutas de independência nas províncias, mas as escolas da Guerra e da Marinha constituíam uma crescente classe de militares. A população se acostumou com facilidade a resolver suas pendengas na Casa de Suplicação do Rio, criada por dom João VI, origem do Supremo Tribunal Federal.

O Teatro São João, a Biblioteca Real e os jornais locais faziam a vida cultural ficar muito mais diversificada e acessível, a ponto de até mesmo alfaiates manterem seu próprio veículo de comunicação. Em 1826, o surgimento da Academia Imperial de Belas-Artes tirava os desenhistas dos quartéis, onde eles se limitavam a rabiscar plantas de terrenos.

Os pianos eram uma peça obrigatória nas casas mais ricas e o imperador dedicava tempo às composições musicais. Em carta ao pai, o rei Francisco I da Áustria, a imperatriz Leopoldina escreveu: "Envio-vos nesta ocasião uma Missa de Neukomm, que merecerá sem dúvida o vosso bom acolhimento. O meu Marido também é compositor e faz-vos presente da Sinfonia e Te Deum de sua autoria; falando a verdade é um tanto teatral, que é defeito de meu Marido".

Aluno de Joseph Haydn e colega de estudos de Ludwig van Beethoven, o maestro Sigimund von Neukomm vivia no Rio desde 1816. A influência dessa vida pujante era tal que ganhava importância o sotaque carioca, mais aportuguesado e menos marcado por expressões indígenas do que no resto do país. "Muito antes ainda (do advento) da televisão, os habitantes do Rio já influenciavam a fala dos habitantes das outras províncias", escreve o historiador Luiz Felipe de Alencastro em História da Vida Privada no Brasil.

O Primeiro Reinado, claro, foi um período de intensa atividade política. A elite se dividia em várias correntes, a começar por monarquistas e republicanos (que em 1822 se aglutinaram em torno de dom Pedro para confrontar as cortes portuguesas - grandes responsáveis pelo processo que levou à Independência). A Assembleia Constituinte, instalada em maio de 1823, seria dissolvida em novembro, mas, em 1824, o imperador promulgou a primeira Constituição do país (considerada até liberal para a época).

O Poder Moderador dava a ele autoridade sobre os demais poderes, mas a Carta garantiu liberdade de culto, de imprensa (em termos, pois havia determinadas perseguições) e deu outro status à figura do eleitor. Homens maiores de 25 anos, livres, alfabetizados e com renda de 100 mil-réis escolhiam os cidadãos que podiam votar e ser votados desde que atendessem a certos requisitos.

Os religiosos seriam valorizados - até porque eles representavam parte considerável da ínfima parcela alfabetizada da população. Na década de 1820, eles eram 23% de todos os deputados. Os padres raramente usavam batinas, mantinham negócios e, com muita frequência, mulher e filhos.

As discussões a respeito dos rumos do novo país não ficavam restritas às elites (embora pelo menos parte dela tenha feito valer sua vontade, evitando o fim da escravidão, por exemplo). "A população estava longe de estar a reboque das camadas dirigentes", escrevem os historiadores Gladys Sabina Ribeiro e Vantuil Pereira em O Brasil Imperial: "O povo foi ator político fundamental na trama do Primeiro Reinado, tanto por meio de revoltas ou burburinhos quanto usando mecanismos formais, como petições, queixas e representações". Os debates da constituinte foram acompanhados por populares, que gritavam palavras de ordem pedindo direitos civis e apresentavam por escrito centenas de sugestões aos deputados.

Com o desmonte da assembleia, o intendente de polícia Estevão Ribeiro de Resende mandou seus homens às ruas para apreender os panfletos com chamados à revolução. Negros e mulatos eram a maior preocupação das autoridades - se reuniam em tabernas nos arredores da cidade, área cheia de quilombos. Um grupo chegou a fundar um "Club dos Malvados" com motivações políticas e raciais. Já liberais radicais organizaram um atentado contra o imperador. Na noite em que assinou a Constituição, ele e a família foram ao teatro. Um grupo tocou fogo em poltronas, mas ele saiu ileso.

O rei voltou a enfrentar resistência política intensa dos deputados. Seus vínculos com Portugal, que vivia um período turbulento, incomodavam os brasileiros. A derrota na Guerra da Cisplatina, em 1828, havia afetado seu prestígio, já abalado pelos escândalos de alcova. Em 1831, dom Pedro voltou a dissolver seu ministério. Foi o estopim para uma série de manifestações populares, que culminaram com a família real abandonando o Rio na surdina. Em seus últimos três anos de vida, porém, ele mudaria também os rumos de Portugal.

Dom Pedro I indicou imperador o filho de 5 anos e deixou como tutor um dos patronos da nação, José Bonifácio. O Brasil mergulharia numa década de revoluções e turbulências, até que dom Pedro II assumisse o cargo e garantisse a estabilidade política (ao menos temporariamente) não alcançada pelo pai.

A História reconheceria, porém: Pedro de Alcântara Francisco foi um dos nomes mais importantes da trajetória do país. Não se limitou a garantir a independência do Brasil e a unidade do território. Com ele, despontava uma nação com identidade própria. Dali em diante, a verdadeira transformação ocorreria com o fim da escravidão, em 1888. No ano seguinte, seria proclamada a República. 

Fonte: AH