Cícero Romão Batista teve uma vida plena de controvérsias e polêmicas até a sua morte, em 1934. Além de padre, foi uma importante liderança política no sertão do Ceará, mais precisamente em Juazeiro do Norte — tornou-se prefeito da cidade depois de lutar por sua emancipação do município de Crato. Tinha influência, portanto, sobre a vida social, política e religiosa dos habitantes do sertão do Cariri. Chegou a ser chamado de “coronel de batina” pelos detratores, mas não é essa a passagem da sua história que mais chama a atenção: transcorridos 88 anos de seu falecimento, Padre Cícero segue como uma espécie de “santo popular”, condição à qual foi alçado pela fé sertaneja do povo simples da região. Morreu proscrito pelo Vaticano, mas nos últimos anos a Igreja tenta entrar em sintonia com os milhões de fiéis católicos devotos do homem santificado. No sábado, 20 de agosto, a Santa Sé anunciou o início de seu processo de beatificação — ele passa a ser reconhecido como “Servo de Deus”.
Ao “Padim Ciço” é atribuído um milagre: uma hóstia dada por ele durante uma missa, em 1889, teria se transformado em sangue na boca de uma beata – Maria de Araújo, mulher preta, pobre e analfabeta. Na época, a Diocese local entendeu que não se tratava de uma manifestação divina, mas, sim, de um “embuste”. Ele foi punido pela Igreja e afastado da vida religiosa. Em 2015, no entanto, o Papa Francisco o perdoou: estava dado o primeiro passo do Vaticano na tentativa de reconciliação com a mítica figura depois de mais de cem anos. Pesou para essa aproximação não só a devoção popular, mas também a preocupação com o avanço das igrejas neopentecostais no Brasil.
Em artigo recente publicado no Diário do Nordeste, o jornalista e escritor cearense Lira Neto, biógrafo do religioso (Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão), disse acreditar que a visão eurocêntrica do Vaticano ao final dos anos 1890 não permitiu o reconhecimento de um suposto milagre que teria ocorrido em meio à gente simples do sertão do Ceará. Na mesma época, episódios semelhantes relatados na Europa foram validados pelo Vaticano. A revisão da posição da Igreja – com o início do processo de beatificação – reconhece enfim o papel central que o “santo do povo” ocupa na fé de milhões de católicos.
Reproduzido da Revista Isto É
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